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Traduzir-se*

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir uma parte na outra parte — que é uma questão de vida ou morte — será arte? *Ferreira Gullar

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Feitiçaria é o mundo onde as palavras têm poder. O feiticeiro fala e a palavra, sem o auxílio das mãos, realiza o que diz. Deus diz 'Paraíso!', e um jardim de delícias aparece. A bruxa diz 'Sapo!', e o príncipe se transforma em sapo. Outro é o mundo da técnica e da ciência: ali as palavras não têm poder. As palavras podem ser ditas à vontade que nada acontece" "Não gosto de conclusões. Conclusões são chaves que fecham. Cada conclusão faz parar o pensamento. Como nos livros de Agatha Christie: resolvido o crime, nada sobre em que pensar. E não adianta ler o livro de novo. Quando o pensamento aparece assassinado, pode-se ter a certeza de que o criminoso foi uma conclusão" "A ciência normal', diz T.S. Kuhn, 'não procura nem novidades de fato nem de teoria. Quando é bem-sucedida, ela não encontra novidades'" "Os poetas buscam as palavras que moram no silêncio" "Palavras de ordem não toleram as br

Fenomenologia de fragmentos*

“A utopia é o campo do desejo, diante da Política, que é o campo da necessidade.”Roland Barthes A irreverência de Nietzsche, em fazer a transvaloração de todos os valores levou o filósofo a transbordar o século XX com aforismos, e um estilo de pensar sem as rédeas da cavalaria oficial do pensamento racionalista. A idiossincrasia do pensador, dado à polêmicas, foi o que estigmatizou-o, porém seu estilo é uma nova forma de pensar a realidade. Atrevidamente sempre atentou contra a moral. No Crepúsculo dos Ídolos, o pensador ataca: "Se nós, os imoralistas, causamos dano à virtude? Tanto quanto os anarquistas o fazem aos príncipes. Só depois que se atira contra eles é que eles voltam a estar firmemente assentados em seu trono. Moral da história: é preciso atirar contra a moral." É preciso passar da lógica cartesiana, aristotélica para uma nova forma de pensar a cultura. Michel Maffesoli, herdeiro do pensamento fenomenológico e da sociologia compreensiva, f

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos" "Eu me sei assim como a larva se transmuta em crisálida: esta é minha vida entre vegetal e animal" "Lóri quis transmitir isso para Ulisses mas não tinha o dom da palavra e não podia explicar o que sentia ou o que pensava, além de que pensava quase sem palavras" "De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele. Ela queria o prazer do extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário"  "(...) viver é tão fora do comum que eu só vivo porque nasci" "(...) Agora ela está toda igual a si mesma" *Clarice Lispector in " Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres ". Ed. Rocco

A invenção da palavra*

“Eu vejo o mundo através de minhas palavras.” Carlos Nejar A textura dos dias sugere a conjugação de um andarilho com o devir das quimeras. Ao desler o mundo ao seu redor, sua maldição consiste numa percepção que se refugia na ilegibilidade. À deriva dos consensos, seu viés discursivo aprecia surgir num ponto entre um delírio e outro. Ao derivar ideias complexas de ideias complexas, afronta a sintaxe conhecida. Um teor assim mencionado, antes de permitir algum deciframento, rascunha-se num dizer impregnado de meias-verdades, subterfúgios, errâncias discursivas. Quando chega a ter definição, já é saber mumificado. Em Filosofia Clínica é comum um acolhimento compreensivo ao ser incomum. No esboço dessa linguagem que transborda, um dizer busca descrever-se. A referência indireta reverencia a vida em estado nascente. Sua verdade possui rituais de singularidade. Um discurso pessoal em territórios de intimidade. Num devir caótico, sua antevisão desestruturada aponta realid

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) Bacon: (...) o entendimento humano é como um espelho falso, que, recebendo raios de modo irregular, distorce e descolore a natureza das coisas, que se misturam à própria natureza do espelho" "Não somos a medida das coisas, mas os logrados pelas coisas. A Caverna é pessoal, uma toca fechada, isolada do mundo comum" "Samuel Johnson (...) ensinou-nos que a essência da poesia é a invenção, no sentido de descoberta" "(...) O que há de melhor e mais maduro em nós há de responder, integralmente, àquil que pretendemos enxergar" "Não temos palavra adequada para explicar Shakespeare: ele escapa a qualquer categorização disponível" "Lemos, penso eu, para sanar a solidão, embora, na prática, quanto melhor lemos, mais solitários ficamos" "Nada explica Shakespeare, e nada pode reduzi-lo a uma explicação" "Contemplamos na vasta escritura de Cervantes aquilo que já somos" "V

Limites ou horizontes?*

​- Nosso relacionamento é aberto ou fechado? - Por mim tanto faz. - Desculpa, mas para mim não é assim. Só consigo me relacionar se houver fidelidade conjugal. Relacionamento fechado. - OK, combinado.Vamos fechar, mas precisamos esclarecer algumas questões. Se meu personal trainer convidar para um café depois da aula e eu aceitar, isto é considerado infidelidade? - Claro que não. - Preciso lhe contar sobre o café? Não aconteceu nada, conversamos sobre dieta e exercícios. - A principio, não é necessário que eu saiba tudo sobre sua vida. Tudo certo querida. - Na outra semana, o personal me convida pra jantar.  Não vai rolar nada proibido, ele só quer me apresentar um programa de treinamento para a maratona de abril.  Preciso lhe contar? Você acha isto uma forma de infidelidade conjugal? - Confio em você querida, não precisa contar. - Quinze dias depois, você vai viajar e o personal me convida para assistir um filme sobre a maratona de Paris em

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Um apetite de vida aumenta com o ardor das palavras. O poeta já não descreve - exalta. É preciso compreendê-lo seguindo o dinamismo de sua exaltação. Entra-se então no mundo admirando-o. O mundo é constituído pelo conjunto das nossas admirações" "Os poetas, em seus devaneios cósmicos, falam do mundo na linguagem do mundo. As palavras, as belas palavras, as grandes palavras naturais, acreditam na imagem que as criou. Um sonhador de palavras reconhece numa palavra do homem aplicada a uma coisa do mundo uma espécie de etimologia onírica"   "As palavras do mundo querem fazer frases. Sabe-o bem o sonhador que, de uma palavra que sonha, faz surgir uma avalancha de palavras" "As cosmogonias antigas não organizam pensamentos, são audácias de devaneios, e para devolver-lhes a vida é necessário reaprender a sonhar" "E que vem a ser um belo poema senão uma loucura retocada ? Um pouco de ordem poética imposta às imagens aberrantes

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