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As Poéticas da Singularidade e seus inimigos***

Um novo paradigma deverá conter, necessariamente, contradições com aquilo que busca superar. A nova abordagem, ao emancipar práticas de cuidado e atenção à vida, também redesenha o mapa das problemáticas existenciais. É o caso da Filosofia Clínica, a qual, se fossemos pensar numa história das terapias, seria um capítulo pós Psicanálise. Ao contrário do que afirmam alguns próceres do saber instituído, praticado como uma forma hegemônica de entendimento da questão humana, a Filosofia Clínica desvincula o fenômeno da singularidade das amarras da tipologia, da verdade dos psicofármacos, cuja mordaça limita e condiciona sua expressividade, submetendo seu devir existencial a lógica dos manuais (DSM’s).        Uma das questões essenciais a crítica desses métodos da classificação, é o fato de sua interpretação do fenômeno humano acontecer à distância de onde eles ocorrem, ou seja, o sujeito singular compreendido em sua originalidade, se expressando em linguagem própria.    Em

Fragmentos Filosóficos, Antropológicos, e algo mais*

"(...) a linguagem é conhecida, em sua expressão através do homem, como uma realidade material, e atirar uma palavra é um ato tão transformador quanto lançar uma flecha ou uma pedra" "(...) partimos do princípio de que a realidade é desconhecida. Utilizando sem restrições os conhecimentos que se acham à nossa disposição; estabelecendo entre os mesmos relações inesperadas; prestando aos fatos uma acolhida isenta de preconceitos antigos ou modernos; numa palavra, comportando-nos em meio aos produtos do saber como um espírito estrangeiro, ignorante dos costumes consagrados, e que se esforça por compreender, estaríamos aptos a ver, a cada instante, o aparecimento simultâneo do fantástico e da realidade" "A ciência é tudo aquilo que pode representar um objeto de prospecção para nosso espírito, tanto no exterior quanto no interior de nós mesmos, sem menosprezar o insólito nem excluir o que parece fugir às normas" "(...) os seres vivos se tran

Entropia da Calêndula*

“Mas não tenho nenhuma certeza de que o porvir de vocês coexistia assim com o seu presente.”                                                       Henri Bergson A ordem é a desordem. Havia um tempo que a desordem era o momento em que as coisas começavam a tomar um ponto a seguir, que as direções se distribuíam conforme os seguimentos da existência pediam passagem. Hoje, o caos não é mais dessa proposição, ou seja, a expressão verbal dos conceitos deixa de ter legitimidade diante dos fatos que atropelam o uso da linguagem. Se o juízo de algo é mais do que uma verdade, se ele passa a ser um acontecimento destruidor, a proposição do que estou aqui a pensar não tem importância alguma de sua veracidade de enunciado. Esse pequeno esforço recreativo, quase um jogo do pensamento, é porque ando a refletir sobre os efeitos benéficos e maléficos das Verdades seculares, sejam elas de ordem das ideias, dos grandes movimentos e correntes do pensamento, ou da heresia quase suicida de af

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) Não se escreve só com palavras: antes que elas se fixem no papel, algo anterior - a existência - se inscreve no espírito" "Emily Dickinson: 'Não há melhor fragata que um livro para levar-nos a terras distantes'" "Os escritores se assemelham mais aos espelhos deformantes que encontramos nos parques de diversões, que, em vez de reproduzir ponto a ponto quem neles se admira, o deformam, traem e recriam" "(...) na escrita de Marina Colasanti: a da parteira que, com suas delicadas manobras e seu fino bisturi, dá à luz novas criaturas, descerrando assim faixas do real que antes eram inacessíveis" "(...) ela concebe sua escrita: como um bordado. (...) Talvez no centro da literatura de Marina Colasanti, ainda mais sutil que um fio, esteja uma palavra que nunca poderá ser dita. Palavra secreta que o fio delicado da linguagem se limita a sublinhar" "Marina nos lembra, ciente de que é através da literat

Reflexões de uma Pensadora*

Os pássaros não pararam de cantar A chuva criadeira lavou a noite. Nuvens protegeram o Sol, Teceram um tapete de recolhimento. Os pássaros não pararam de cantar. Os cães latiam ao longe. Quaresmeiras e ipês pintavam a paisagem de doce beleza. Nem mais sons de carros, as ruas vazias... Silêncio e tristeza na alma. Relógios parados sem “ter quê”, A memória do passado é livro e tela de museu. As memórias, apenas tempo que se foi. O depois, uma grande interrogação. Os pássaros não pararam de cantar. O cheiro da grama e das flores intensificaram. Haverá outros mundos aqui? E Deus? Deus está além do bem e do mal. Cabe ao homem responder por seus atos. *Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica. Livre Pensadora. Juiz de Fora/MG

Fragmentos Filosóficos, Literários, Delirantes, e algo mais*

"Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu" "Qualquer coisa, conforme se considera, é um assombro ou um estorvo, um tudo ou um nada, um caminho ou uma preocupação. Considerá-la cada vez de um modo diferente é renová-la, multiplicá-la por si mesma. É por isso que o espírito contemplativo que nunca saiu da sua aldeia tem contudo à sua ordem o universo inteiro. Numa cela ou num deserto está o infinito. |Numa pedra dorme-se cosmicamente" "Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos de livros que vivem mais nitidamente que muito homem e muita mulher" "Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar. O ajudante de guarda-livros pode sonhar-se imperador romano; o Rei de Inglaterra não o pod

Acredito em instrução rápida, mas não em educação rápida*

Entendo a educação como paidéia : como a progressiva formação cultural e espiritual do ser humano. A educação, nesse sentido, é necessariamente lenta. Sem metas ambiciosas, sem etapas claras a ser verificadas por testes e provas. E é também diária: um pouquinho de cada vez, cotidianamente, é que se alimenta uma existência na humanidade. * * * É preciso, por exemplo, educar na beleza: a beleza é um alimento indispensável do espírito. Como Dostoiévski sugere numa passagem de O Idiota, talvez a beleza venha a salvar o mundo - isto é, o próprio ser humano. Mas, como toda a educação, a beleza é experimentada em degraus. Para falar nas artes: na literatura, nas artes plásticas e na música, é preciso subir devagar e constantemente. É preciso aprender a ler a prosa e o verso, a ver a pintura e a escultura, a ouvir e se entregar à música. * * * E como podemos proporcionar essa educação a nós mesmos e aos nossos filhos? Eu não acredito em fórmulas prontas. É preci

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) Cada época torna canônicos textos considerados marginais na época precedente" "A fala poética é uma fala intransitiva, que não tem serventia; ela não significa; ela é" "Sartre descobriu em sua prática, mais do que em sua teoria, que, no conhecimento do homem e de suas obras, a 'forma' tomada por nossa busca é indissociável da própria busca" "(...) qualquer tentativa de interpretar Blanchot em linguagem diferente da sua parece ser um interdito não pronunciado" "Menciona Baudelaire: ' As circunstancias quase abstratas da experiência permitiram-lhe testemunhar com uma clareza inigualável esta verdade; a livre escolha que o homem faz de si mesmo identifica-se absolutamente com o que designamos seu destino'" "(...) pratica uma forma de representação do mundo que consiste em, mais do que reproduzir as coisas tais como estamos habituados a vê-las, torná-las, pelo contrário, estranhas, não fa

O que faz da Filosofia Clínica, filosofia?*

Em diversos lugares é possível ler a seguinte afirmação: “A Filosofia Clínica é a filosofia acadêmica aplicada à clínica” ou “Filosofia Clínica é filosofia porque é baseada em 2500 anos de filosofia” ou “A Filosofia Clínica tem seu fundamento no pensamento dos filósofos, só que adaptados à clínica”, só para citar alguns.   Entretanto, essas afirmações dão ao senso comum ou a alguns filósofos, que ficam de “plantão” em busca de algo para criticar sem fundamentos, uma compreensão mal concebida. A impressão inicial parece ser que se toma a filosofia ou o pensamento dos filósofos e se aplica a clínica, e a única modificação parece ser a finalidade. Pois, os filósofos pretendiam um fim para seu pensamento e a Filosofia Clínica busca trabalhar questões existenciais de seus partilhantes. A questão a ser tratada nesse texto não é fundamentalmente voltada para os filósofos clínicos, mas para os que têm uma compreensão errada que uma apresentação limitada pode oferecer em relação ao

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) você não se deixa mais levar pela corrente borbulhante do rio das ficções. Você fica na margem, apenas olhando, como um frequentador assíduo do rio que, de repente, não sabe mais nadar (...) Acontece que você desaprendeu a sonhar e sente vergonha disso" "(...) Era difícil explicar à Flora que os livros, ao contrário do que ela imaginava, guardavam em si todas as vozes e todas as vontades do mundo" "Jósik começava a aprender, de maneira dura e cruel, que a inconstância é o único padrão da existência humana (...)" "(...) tais livros não eram permitidos por serem inquietantes demais. Bons livros eram como bons sonhos (...)" "(...) assim, o entupiu de ficção para que tivesse o necessário estofo nas quedas da vida" "Aquele homem conhecia Shakespeare do começo ao fim, jantava com Tolstói e tomava chá com Henry James" "(...) O amor é uma plantinha vagabunda, é como o inço que cresce em qualque

As poéticas da singularidade e seus inimigos***

                             Um novo paradigma deverá conter, necessariamente, contradições com aquilo que busca superar. A nova abordagem, ao emancipar práticas de cuidado e atenção à vida, também redesenha o mapa das problemáticas existenciais. É o caso da Filosofia Clínica, a qual, se fossemos pensar numa história das terapias, seria um capítulo pós Psicanálise. Ao contrário do que afirmam alguns próceres do saber instituído, praticado como uma forma hegemônica de entendimento da questão humana, a Filosofia Clínica desvincula o fenômeno da singularidade das amarras da tipologia, da verdade dos psicofármacos, cuja mordaça limita e condiciona sua expressividade, submetendo seu devir existencial a lógica dos manuais (DSM’s).        Uma das questões essenciais a crítica desses métodos da classificação, é o fato de sua interpretação do fenômeno humano acontecer à distância de onde eles ocorrem, ou seja, o sujeito singular compreendido em sua originalidade, se expressando em l

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) não existem ciências exatas, nem mesmo a matemática, livres de ambiguidades, de erros, de negligências. O valor da poesia está no seu paradoxo, o que a poesia diz é aquilo que não é dito" "(...) Para um escritor a palavra escrita é a realidade" "As grandes histórias de amor vividas por nós escritores raramente são escritas. As histórias de amor que podem ser contadas são as medíocres" "O escritor deve ser essencialmente um subversivo e a sua linguagem não pode ser nem a mistificatória do político (e do educador), nem a repressiva, do governante" "(...) A nossa linguagem deve ser a do não-conformismo, da não-falsidade, da não-opressão. Não queremos dar ordem ao caos, como supõem alguns teóricos. E nem mesmo tornar o caos compreensível" "A poesia, a arte enfim, transcende os critérios de utilidade e nocividade, até mesmo o da compreensibilidade. Toda linguagem muito inteligível é mentirosa" &q

O tempo com tempo*

Em nosso quintal observo Limões, caquis, laranjas e maracujás. Ouço pássaros e latido de cães. Vejo folhas de outono ao vento. Sinto perfume da grama. A exuberante erva cidreira grita: -Aqui estou! Olhe para mim! Tanta beleza, Deus nosso! No fundo do nosso quintal. Sinto a benção da natureza. Sentada estou sob a mangueira. Quanto tempo elas estão aqui E não as namorava. Flores por todas as partes me receberam sem cobrar e julgar. Ah! É nosso Quintal! O sol recolhido deixa o outono chegar. Abacateiro repleto de frutos me convida. Há poesia em todos os cantos A me encantar! Há tempo no tempo! Que quero eu, se já me foi dado? Qual o verdadeiro sentido de tudo em mim? Penso nas Confissões de Agostinho, No Livro Vermelho de Jung, Vitor Frankl na Guerra... Ah! Em Manuel de Barros! E Rubem Alves! Ah! nosso quintal! Vejo agora meus pés no chão. Sinto a unidade da terra neles. Que mais quero eu? Apenas aqui ficar. Respirar e de

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