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Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"(...) Platão pôs-se a inventar uma prosa ágil, despojada das fossilizantes leis da retórica, uma prosa que unisse a sedução da poesia e a espontaneidade da fala, uma prosa que tivesse a gravidade da tragédia e a malícia da comédia, uma prosa que soubesse fixar rigorosamente as etapas para o avanço dos argumentos (...) Foi assim que a filosofia oral se tornou escrita (...)" "Platão substitui a memória pelo texto escrito, ambíguo, lacunoso, feito para refletir e não para recordar (...) O texto platônico, infiel como registro literal, estimula a reflexão, reavivando a voz cáustica, irônica, que atenienses queriam para sempre silenciada. A escrita não aparece aqui como capa de ocultos sentidos, mas como fonte de intermináveis significações (...) Na escrita de Platão, prosa e poesia confluem (...)" "(...)Platão indica vários caminhos e não se fixa em nenhum. Definido está o filósofo, o que incessantemente busca" "(...) Andamos no território do discurso. T

O Texto e a Vida*

Em uma obra de essência inacabada, a pluralidade discursiva, nem sempre coerente e recheada com algum tipo de fundamentação, exibe capítulos de uma subjetividade em vias de acontecer.  Nessa arquitetura de palavras, a versão dos rascunhos se inicia na multidão improvável dos sentidos sem tradução. Por esse não lugar se alternam pronúncias da voz na palavra escrita. Um apurado senso de irrealidade parece tomar conta da estrutura narrativa. Ao (re)nascer de cada pessoa uma nova obra se inicia. As lógicas da incompletude ampliam as chances para descrever o infindável movimento da vida. Sua eficácia institui novos parágrafos existenciais e se oferece como possibilidade inadiável de reescritas. A autoria, em sua singularidade, esboça um cotidiano de páginas inéditas. A letra parece querer anunciar, desvendar, transgredir cotidianos em roteiros de inconclusão. Uma estranha alquimia ressoa aos sons do silêncio, das dúvidas sobre a expressividade dos eus possíveis. O paraíso onde a linguagem s

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"(...) No fim das contas ninguém pode captar nas coisas, incluídos os livros, mais do que ele mesmo já sabe. Para aquilo que a gente não alcança através da vivência, a gente também não tem ouvidos" "(...) Não acreditar em nenhum pensamento que não tenha nascido ao ar livre e em livre movimentação" "A gente retribui mal a um professor, quando permanece sendo sempre apenas seu aluno" "Zaratustra: 'Vós ainda não havíeis vos procurado: aí encontrastes a mim. É assim que fazem todos os crentes; e por isso valem pouco todas as crenças. Agora eu vos ordeno: perder a mim pra vos encontrardes (...)'" "Quem sabe respirar o ar das minhas obras, sabe que ele é um ar das alturas, um ar vigoroso. A gente tem de ter sido feito para ele, caso contrário não é nem um pouco insignificante o perigo de se resfriar no contato com ele" "A filosofia, assim como a entendi e vivenciei até agora, é a vida espontânea no gelo e nas montanhas mais altas

Quando as portas se abrirem*

Em plena pandemia, você retido contra vontade em casa há mais de cem dias, resolve passar o tempo   arrumando os armários de seu quarto. Bem lá no fundo da última gaveta, encontra uma velha lâmpada metálica, guardada desde os tempos da infância, que nem lembrava mais que existia. Como na história de Aladim, esfrega um pano para limpar a poeira e surpresa: surge o gênio da lâmpada.   Desta vez não lhe pede para fazer três pedidos, oferece de imediato aquilo que talvez você e toda a torcida do Flamengo estejam suplicando há meses: a cura da pandemia e o retorno da liberdade de ir e vir. Só que este é um gênio do século 21, não tão bondoso, e vai lhe cobrar algo em troca. Mas fique tranquilo, você pode escolher o que vai ceder na permuta, ele lhe ofereceu várias opções.   - Você sai da quarentena imediatamente, mas estará envelhecido 10 anos.   - Você sai da quarentena agora mesmo, porém 20 quilos mais gordo.   - Você paga um milhão de dólares e está livre da quarentena.   - Voc

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"(...) o homem sempre é, além de homem, outra coisa: anjo, demônio, fera, deus, fatalidade, história - algo impuro, alheio, outro." "(...) O homem é inacabado, embora seja cabal nessa inconclusão; e por isso faz poemas, imagens, nas quais se realiza e se conclui sem nunca concluir totalmente (...)" "(...) Ser si mesmo é condenar-se à mutilação porque o homem é apetite perpétuo de ser outro" "(...) Seus signos não são uma linguagem: são os marcos que sinalizam as fronteiras, sempre em movimento, entre o homem e a realidade inexplorada" "Estamos condenados a buscar a razão da desrazão" "O poeta limpa de erros os livros sagrados e escreve inocência onde se lia pecado, liberdade onde estava escrito autoridade, instante onde se gravara eternidade" "(...) O homem original é inocente e cada um de nós tem em si um Adão. O próprio Cristo é Adão. Os dez mandamentos são invenção do Demônio (...) A missão do poeta é restabelecer a pa

Trajeto*

  “Somos poetas no silêncio da introspecção.”              Juremir Machado da Silva     A ideia fluida corre ao vento, ao sol queima o lado sombrio,   a vida se oculta do corpo que passa ao tempo.   Tão longe da dor, tão próximo do fim,   o tempo esquece de tudo que é humano, desintegra-se na natureza.   Desde a remota lembrança, desde o primeiro beijo, a vida foi intensa,   a gratidão é compartilhada na solidão deste olhar guardado.   A caixa está fechada, o tempo pode esperar, o amanhã renascerá,   a vida passa pelos sentidos, a linguagem ganha força, o sonho é filme, a trilha é o elo entre a compreensão e o poder viajar para dentro do mundo.   Estamos ainda a olhar, aprender que viver é mais que uma intelecção da racionalidade.   Sem a solidariedade nosso orgulho não se salvará. O domínio é eminente, está preso na liberdade provisória, o trajeto do caminhante se refaz no confinar.   Amanhã o porto será a porta de saída, o retorno ao mundo. *Luiz Antonio Gomes F

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"(...) a partir do momento em que se fala, e mesmo de maneira e de coisas as mais simples, logo algo de desmesurado está em jogo, algo que está à espera na reserva do discurso familiar" "(...) É no entanto apenas a partir dessa relação enigmática entre pensamento, impossibilidade e fala que se pode tentar reapreender a importância geral das obras singulares que a cultura rechaça ao mesmo tempo em que acolhe, tal como recusa, objetivando-se, as experiências-limite, obras que se mantêm portanto solitárias, quase anônimas, mesmo quando falamos a respeito delas (...)" "(...) Hegel, comentando a lei sobre os suspeitos durante a Revolução Francesa, mostrou que, cada vez que se afirma o universal em sua brutal exigência abstrata, toda vontade particular, todo pensamento separado caem sob o golpe da suspeita. Agir bem já não é o bastante. Todo indivíduo carrega dentro de si um conjunto de reflexões, de intenções, isto é, de reticências, que o condena a uma existência o

Notas sobre a Filosofia Clínica*

A Filosofia Clínica é um método terapêutico filosófico que tem como pressuposto a noção de que cada pessoa possui uma representação de mundo. Derivando de noções de Protágoras para o qual “o homem é a medida de todas as coisas”, atualizado em Schopenhauer que ensina que “o mundo é minha representação”, Lúcio Packter percebeu que cada pessoa representava o mundo a partir de seu contexto, historicidade e os elementos que a constitui estruturalmente. O filósofo clínico é aquele que busca aproximar-se ao máximo da representação de seu partilhante. Isso ocorre por aproximação e não por exatidão.   Os Exames Categoriais fazem parte do método da Filosofia Clínica. Os pensadores que inspiraram a estruturação desse procedimento foram Aristóteles e Kant. As categorias do Estagirita serviam para compreender as coisas. Já o autor da Crítica da Razão Pura, intentava compreender as estruturas a priori do entendimento. A Filosofia Clínica possui cinco categorias que servem para compreender as duas

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

 "(...) Em alguns dos primeiros quadros de Goya (...) há algo que perturba, mas não se sabe o que seja. Não a princípio. É porque em todo grupo daquelas pessoas, encantador, o formal, o pastoral, o essencialmente civilizado, há sempre uma que olha diretamente para fora do grupo, para fora da tela, para os olhos da pessoa que contempla o quadro. Essa pessoas que se recusa a conformar-se com as convenções do quadro em que o artista a colocou, interpela e de fato destrói a convenção (...)" "Às vezes, quando se lê um livro ou uma história, as palavras estão mortas, você luta para terminá-lo ou largá-lo, a sua atenção vagueia. Em outra ocasião, exatamente com o mesmo livro ou história, ele parece cheio de significado e ideias, ao lê-lo você parece estar-se enchendo de adrenalina (...)" "(...) então temos de aceitar como verdade a sugestão inacreditável de que não só um pássaro, o raio, música, chuva, as palavras de uma cantiga de roda, mas também um homem falando nu

Reflexões de um Filósofo Clínico*

A pesquisa "Retratos da Cultura" revela que um em cada três brasileiros nunca comprou um livro. E 44% dos brasileiros nunca lêem livros. Nem livros técnicos, nem religiosos, nada: os livros simplesmente não fazem parte do cotidiano de quase metade da população brasileira. E não porque um livro seja caro: sim, é caro, mas custa menos que uma conta de bar ou um lanche de fast-food... Aliás, com o valor que custa qualquer televisão ou smartphone dá para montar uma pequena biblioteca - e, assim, abrir o horizonte da existência. (...) Falando em livros... "[Os pobres], num primeiro momento, quando fizeram o auxílio emergencial, estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias", diz o ministro da economia. Por isso, defende que seria melhor se o Estado tributasse mais pesadamente as editoras e distribuísse livros "gratuitamente" aos pobres. Não se trata de polêmica partidária. Não importa se você apóia o governo Bolsonaro ou

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais***

"(...) Patologizar o comportamento (...) pensar no (mau) comportamento como doença, conforme é sugerido pelas seguintes frases, profundamente reveladoras: 'Será lícito injetar Salvarsan nas veias de todo paciente cujo Teste Wassermann é positivo ? Muitos casos de esquizofrenia 'latente' são diagnosticados como totais, com absoluta certeza. Jamais ocorre ao médico considerar todas as consequências: confinamento do paciente numa instituição psiquiátrica, privação dos direitos civis, abandono de sua profissão, etc...'" "Quando os guardiães de manicômios chamam de 'pacientes' seus prisioneiros e de 'doenças' o (mau) comportamento de seus prisioneiros, e quando se intitulam 'doutores' e chamam suas punições de 'tratamentos', eles estão, com efeito, usando conosco (e possivelmente com eles mesmos) o mesmo ardil a que Ulisses recorreu contra os Cíclopes"  "(...) os homens e as mulheres comuns poderiam ter visto que o p

Para saber aquilo que se conhece***

"Se duvido, penso. Penso logo existo"                 René Descartes Um dos aspectos mais importantes da epistemologia são as derivações, contornos e sua aptidão de inventar e manter interseção com o mundo ao seu redor. Com eficácia de multiplicar desenlaces e engendrar novas formas de racionalidade, destaca-se ao descrever e analisar os eventos que a integram.  Sua investigação analítica transita entre a matéria-prima da experiência compartilhável e a organização interna de cada pessoa. Para entendê-la melhor, a introspecção e as vivências podem ajudar. Nesse tópico é possível entender o pensar sobre as coisas a partir dos desdobramentos da estrutura do próprio pensar. Uma reflexão a descobrir algo mais sobre si mesma.  Até os simulacros da realidade podem ser desvendados por essa via precursora do conhecimento. Sua expansão acontece na relação entre atitudes especulativas, dúvidas e as provisórias certezas.  No esboço sobre si, o viés racional desliza para contornos desconh

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