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Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"(...) a partir do momento em que se fala, e mesmo de maneira e de coisas as mais simples, logo algo de desmesurado está em jogo, algo que está à espera na reserva do discurso familiar"

"(...) É no entanto apenas a partir dessa relação enigmática entre pensamento, impossibilidade e fala que se pode tentar reapreender a importância geral das obras singulares que a cultura rechaça ao mesmo tempo em que acolhe, tal como recusa, objetivando-se, as experiências-limite, obras que se mantêm portanto solitárias, quase anônimas, mesmo quando falamos a respeito delas (...)"

"(...) Hegel, comentando a lei sobre os suspeitos durante a Revolução Francesa, mostrou que, cada vez que se afirma o universal em sua brutal exigência abstrata, toda vontade particular, todo pensamento separado caem sob o golpe da suspeita. Agir bem já não é o bastante. Todo indivíduo carrega dentro de si um conjunto de reflexões, de intenções, isto é, de reticências, que o condena a uma existência oblíqua (...)"

"(...) É unicamente às paixões fortes que se devem a invenção e as maravilhas das artes... Os indivíduos que não são animados de paixões fortes não passam de seres medíocres; tornamo-nos estúpidos tão logo deixamos de ser apaixonados (...)"

"Que é esse excesso que faz com que o acabamento seja ainda e sempre inacabado ? (...)"

"(...) A experiência limite é a resposta que encontra o homem quando decidiu se pôr radicalmente em questão. Essa decisão que compromete todo ser exprime a impossibilidade de jamais deter-se em qualquer consolação ou em qualquer verdade que seja, nem nos interesses ou nos resultados da ação, nem nas certezas do saber e da crença (...)"

"É preciso voltar-se para as grandes obras sombrias da literatura e da arte para - talvez - ouvir novamente a linguagem da loucura. Goya, Sade, Holderlin, Nietzsche, Nerval, Van Gogh, Artaud, essas existências nos fascinam pela atração que sentiram, mas também pela relação que cada uma parece ter mantido entre o saber obscuro da Desrazão e aquilo que o saber claro - o da ciência - chama de loucura (...)" 

"(...) Encerram-se os loucos, mas ao mesmo tempo e nos mesmos lugares, por um ato de banimento que os confunde, encerram-se os miseráveis, os ociosos, os dissolutos, os profanadores e os libertinos, aqueles que pensam mal (...) algo de desmesurado está á espera; nas celas e nos calabouços, uma liberdade; no silêncio da reclusão, uma nova linguagem, a fala da violência e do desejo sem representação, sem significação (...)"

"(...) devemos perguntar-nos se é verdade que a literatura e a arte poderiam acolher essas experiências-limite e, assim, preparar, para além da cultura, uma relação com aquilo que rejeita a cultura: fala dos confins, exterior de escrita (...)"

"Os anos passam. Tudo se consuma e tudo está á deriva no vazio do inacabado (...)"

"Pensando o mundo, Nietzsche o pensa como um texto. É uma metáfora ? É uma metáfora. Pensando o mundo nessa profundidade que o dia não alcança, ele o substitui por uma metáfora que parece restaurar o dia em seus direitos; pois, o que é um texto ? Um conjunto de fenômenos que se mantém à vista, e o que é escrever senão dar a ver, fazer aparecer, trazer à superfície ? (...)" 

"(...) Holderlin: (...) É tanto mais invisível/quem se ajusta á estranheza (...) quanto mais uma coisa é invisível, mais ela tem por destino essa manifestação da estranheza (...)"

"(...) devemos estar preparados para encontrar a marca da verdade na repugnância e na contradição, e será necessário não apenas acolher afirmações opostas e mantê-las firmemente juntas, mas também tê-las por verdadeiras devido á sua oposição, o que nos obriga a exigir uma ordem mais alta a fundá-las (...)" 

*Maurice Blanchot in "A Conversa Infinita - A Experiência Limite". Ed. Escuta. SP. 2007. 

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