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Foi bom enquanto durou*



Começamos tão bem. Encontramo-nos no réveillon e não nos separamos mais. Dormíamos e acordávamos juntos todos os dias.  Estávamos cheios de expectativas, promessas e planos para o futuro. Apostamos alto e nos dedicamos pra valer. Você me enchia de esperança e eu retribuía com gratidão. Sua capacidade de surpreender, ao mesmo tempo em que me assustava, encantava. Você não prometeu felicidade, nem amor, mas garantiu que ia ser muito bom. Lembro que naquela noite brindei dizendo que amor perfeito era nome de flor, e que amores bonitos e perfeitos eram aqueles que nunca foram usados. Esperava tão somente uma relação que não decepcionasse minha alma.

Por mais que tenha me esforçado, por mais que tenha calculado acertos, riscos e equívocos, não foi o bastante. Não vamos seguir juntos. O destino prega peças e, quase sempre, sem avisar. Desta vez ele avisou, nós é que o ignoramos. Diz o folclore iídiche que o homem planeja e Deus, lá em cima, ri.

A gente fez de conta que não escutava, acreditamos que desta vez seria diferente, acabamos fazendo do nosso jeito e deu no que deu.  Perdemos a batalha. Não tem problema, perdoei meus erros e os seus também. A cada ano que se inicia corremos em direção ao primeiro sinal de algo que nos rejuvenesça, distancie da morte, empreste significado ao ato natural de estar vivo ou produza alguma centelha de amor. Você era tão jovem, me joguei de corpo e alma.

Não existe pessoa certa ou vida errada. Não existe mocinho ou bandido neste enredo. Você falhou, eu falhei, mas estávamos tentando acertar. Vamos ter que nos separar, mas nem tudo que termina, acaba. Muitos casais nem terminam, simplesmente separam e se abandonam. Não queria que conosco fosse assim. Aquilo que acaba também é eterno. Tivemos momentos memoráveis, foram onze meses inesquecíveis. Viajamos, percorremos retas, nos apoiamos nas curvas, descobrimos cachoeiras, bosques, fadas e florestas.

Lembra aquele dia em maio quando você se esquentou e a temperatura subiu tanto que quase me fritou? E no dia seguinte esfriou mais que um freezer. As pessoas diziam que você era instável, bipolar e incontrolável. Eu não dava ouvidos, curtia suas excentricidades.  Mas isto já é passado, e o passado é um lugar de referência, não de residência. Precisamos seguir em frente, nosso ciclo se fechou, chegou o momento de cada um seguir sozinho.

Se não fomos feitos pra ficar juntos, fomos feitos pra um marcar a vida do outro. Você disse que ia ser bom, não que ia durar. Com você eu mudei, cresci, sonhei, observei o colorido das flores, enxerguei borboletas azuis, senti o gelado do inverno, o frio na barriga, libertei meus fantasmas, aproveitei a vida. Como aconteceu ou quanto durou, não importa. Valeu cada minuto ao teu lado. Você foi como um circo, me encantou e agora vai embora.

Queria que durasse um pouco mais. Poderíamos nos despedir demoradamente, deixar fruir nosso adeus. Talvez com o afastamento nos percamos. Ou nos encontremos em outros caminhos. Ou em outros mundos. Ou nunca mais.  Posso perder o juízo, a saúde mental, a fome, a direção, posso até perder você, mas sei exatamente onde está meu coração. Não quero te largar. Quero você intensamente hoje. Não amanhã, não ontem. Hoje. Agora. Não precisa ser pra sempre, mas pra já.

Daqui a pouco vou começar a escrever minha nova história, mas jamais te esquecerei. Não sei o que fazer com nosso calendário cheio de marcações coloridas, mas pretendo realizar tudo que planejamos.  Aquilo que houve entre nós ainda existe e ficará para sempre. Tive muita sorte em ter alguém a quem me é difícil dizer adeus. E não vou dizer isso chorando em tom de lamento.

Dois mil e dezoito, você foi maravilhoso, mágico, amigo, quase um pai, mas a vida vai te levar.  Querendo ou não, em breve você será obrigado a partir.  Adeus = a Deus. Não é uma despedida, é entregar nas mãos de Deus aquilo que você não pode mais cuidar. Deixo varias coisas para a lei do retorno resolver. Sentirei saudade, mas por enquanto, vamos aproveitar tudo que nos resta. Partir não é uma tragédia, pior é não ter vivido. 

Vivemos pra caramba, isso é fato, só não tenho certeza se contigo envelheci ou rejuvenesci um ano.  Além disso, você não está morrendo, apenas terminou sua jornada, vai descansar e se re-inventar.  As folhas do outono não caem porque querem, e sim porque é chegada a hora. Vou ser feliz, e você também. Que 2019 nos encontre sorrindo.

*Ildo Meyer.
Médico. Palestrante. Escritor. Filósofo Clínico.
Porto Alegre/RS

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