“Não pedes nada menos que o impossível.”
Paul Valéry
Filamentos dançantes, o tempo
movente dessas imagens não significa que, por não ter nenhum valor artístico,
não pode ser igualmente original. Nasceram alguns dias atrás, bem mais próximo
do que se possa imaginar. Está dentro; do ângulo mais distante da projeção das
imagens, o gel baila, desloca-se feito uma bailarina que passa a mover meus
pensamentos, uma projeção de estranhamento. Toma conta da alma, dos sentidos, é
uma duplicidade dentro do corpo, do imaginário, uma não existência dentro do
existir. Todas as possibilidades me lembram do filme que ficou na juventude, um
esquecimento que volta a mover os sentidos. No primeiro instante vem um susto
do tamanho da pandemia, o lado indefeso da mente, a solidão do pensamento e,
uma única certeza, o estar vivo.
Depois vem a busca de
informações, procurar o especialista, os que já convivem com essa
fantasmagoria, neste caso, mais parece véus que dançam, voam, esvoaçando de um
lado a outro, dentro de um espaço na extremidade do campo da visão. E aí,
orientado, depois de exames, análise cabal, é que se vai conviver com ela até
que a projeção do cérebro faça com que desapareça. Lá se vai a bailarina, a que
não é da minha imaginação. Me dei conta.
E Celan diz: “Com tudo o que lá
dentro cabe, mesmo que sem fala”, e pensar que o desconhecido é a presença das
partes que morrem pela vida e dela nada se fixa, tudo deixa de existir, como o
amor. Uma dança que já não mete medo, que apenas flutua no silêncio da projeção
desse filme que só tem um espectador.
A existência é uma pequena
amostra da vida, e, como Valéry, “Ora o real, ora a ilusão nos recolhe; e a
alma, em definitivo, não tem outros meios exceto o verdadeiro, que é sua arma –
e a mentira, sua armadura”. E diante disso todas as enfermidades que vamos
vivenciando já não passam de estágios da existência, de resistência da vida
diante de nós mesmos, que vamos morrendo, que vamos vendo e sentindo coisas
diferentes, e o corpo se moldando mais rápido em face do que esfacela, do que
se perde.
Universo ululante, paisagens
perdidas na memória,
O mar separa os olhos do corpo
sob a água,
Os que nascem pedem piedade, nada
a dizer,
Os bárbaros olhos que invadem a
dor recalcitrante do Ser.
A bailarina deixou em paz meus
dias,
Hoje só a encontro pelas manhãs,
Saiu da sala em que dançava para
mim,
O abandono é a cura para os sonhadores.
*Prof. Dr. Luis Antonio Gomes
Filósofo. Editor. Poeta. Livre Pensador.
Porto Alegre/RS
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