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Filosofia Clínica: retomada do olhar filosófico*

“Somente quando a estranheza do ente nos acossa, desperta e atrai ele a admiração. Somente baseado na admiração [...] surge o ‘porquê’. Somente porque é possível o porquê enquanto tal, podemos nos perguntar, de maneira determinada, pelas razões e fundamentar. Somente porque podemos perguntar e fundamentar foi entregue à nossa existência o destino do pesquisador.” (HEIDEGGER, Martin. O que é Metafísica?. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 242.) Hoje a filosofia acadêmica ensinada nas faculdades e universidades tende a ser uma grande assimilação dos conteúdos escritos dos pensadores que nos precederam. Heidegger nos advertia em suas obras sobre a possibilidade mais comum entre os homens, que é o de estar na inautenticidade. Esta consiste no olhar derivado do mundo, na perspectiva mais cotidiana, vivendo segundo o que “se diz”. Ao contrário da autenticidade, que se dava com o olhar mais voltado para o espanto e admiração diante do que nos rodeia ou constitui n

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"O homem não é em absoluto a soma do que tem, mas a totalidade do que ainda não tem, do que poderia ter" "Para compreender as palavras, para dar um sentido aos parágrafos, é preciso primeiro que eu adote seu ponto de vista, que eu seja o coro complacente. Essa consciência só existe por meu intermédio; sem mim haveria apenas borrões negros sobre folhas brancas" "(...) A liberdade é una, mas se manifesta diversamente segundo as circunstâncias" "(...) o olho prefigura, seleciona aquilo que vê. E esse olho não está dado de saída: ele tem de inventar sua maneira de ver; por isso determina-se a priori e por uma livre escolha o que se vê. As épocas vazias são aquelas que escolhem se ver com olhos já inventados. Elas não podem fazer mais que refinar as descobertas das outras; pois aquele que traz o olho traz ao mesmo tempo a coisa vista"  "Lembrando Pascal: 'Todo esse mundo visível não é mais que um traço imperceptível no am

Diagnóstico*

Se você às vezes se sente um lixo de ser humano, impotente para alcançar o que quer, incapaz de seguir os seus sonhos, infeliz num mundo em que a felicidade é a regra; Se você às vezes olha para o lado e vê tanta gente mais inteligente, tanta gente com mais sucesso, tanta gente mais bonita, interessante e divertida do que você e se sente como um farsante, um intruso nesse lugar; Se você às vezes duvida da sua própria história, não tem certeza de nada ou quase nada, jura que é a pessoa mais esquisita que conhece; Se você às vezes tem tiques, manias, estereotipias, e alimenta hobbies inúteis, paixões, vícios; Se você às vezes faz tudo ao contrário, e age impulsivamente quando deveria ter calma e nada faz quando a regra é agir; Se você alterna momentos de alegria com momentos de dor, num dia tudo está lindo como num filme romântico de Hollywood, no outro você chora de repente sem nem saber o porquê; Se você às vezes ouve vozes discordant

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"(...) Na juventude humana tudo vai adiante, tudo existe, o ser ainda é superior ao seu contrário, que só se instala em nós pouco a pouco como um passageiro clandestino" "(...) pensamento é como a luz, ele é contínuo e descontínuo" "Não se pode afirmar alguma coisa sem tentar dar as razões da afirmação. Mas a explicação nem sempre é suficiente" "Seu sistema garantia. De seu ponto de vista, jamais se enganou. Mas ele via do mundo apenas um pequeno canto, sob um certo ângulo. E no período que foi seu, não podia ter sido de outro modo (...) O pensamento combina com o tempo e mesmo com os objetos que o tempo faz nascer"  "(...) É a mesma coisa dentro de um avião. Se você jogar uma moeda para o ar, ela voltará a cair na sua mão, mesmo se a jogar bem alto. E, no entanto, durante o segundo em que a moeda permanece no ar, o avião se deslocou, e a grande velocidade. Mas a moeda deslocou-se com ele. São uma coisa só, compartilhara

Poética Clandestina*

"A alquimia do verbo é um delírio"               Arthur Rimbaud Uma profecia de caráter excepcional recai sobre alguns escolhidos, que parecem surgir de uma cepa rara, sujeitos a descrever a saga do personagem marginal. Estruturados para surgir como transgressão, desconstroem a certeza de uma só versão para todas as coisas.  A atitude inesperada de toda razão oferece uma perspectiva plural na forma de poesia, filosofia, arte, subversão estética ao mundo instituído. No caso da inquietude filosófica, antes de virar comentário ou técnica acadêmica, é a concepção do eu como outros, reapresentada na inspiração libertária dos movimentos da irreflexão.  Um cavalheiro andante em busca de sua tribo encontra Adão e Eva no paraíso da singularidade. A palavra realiza uma poética das ruas. Seu caráter de profanação reivindica um ritual de iniciados. Os enredos do mundo novo percorrem as dialéticas do imprevisível. Visionários incompreendidos possuem a rara aptidão de concede

Fragmentos Filosóficos, Clínicos, e algo mais*

"É particularmente notável que a instância do olhar-vídeo habite a visão dos terapeutas. Mesmo se estes não manipulem efetivamente uma câmera, adquirem o hábito de observar certas manifestações semióticas que escapam ao olhar comum" "(...) criam-se novas modalidades de subjetivação do mesmo modo que um artista plástico cria novas formas a partir da palheta de que dispõe" "A subjetividade, de fato, é plural, polifônica, para retomar uma expressão de Mikhail Bakhtine. E ela não conhece nenhuma instância dominante de determinação que guie as outras instâncias segundo uma causalidade unívoca" "Não se pode conceber resposta ao envenenamento da atmosfera e ao aquecimento do planeta (...) sem uma mutação das mentalidades, sem a promoção de uma nova arte de viver em sociedade" "Uma pessoa que, há semanas, me repetia sempre as mesmas coisas, executa algo na cena da análise que transforma todas as suas coordenadas, suas referência

Fiz cinquenta anos, e agora?*

A medicina diz que começamos a envelhecer a partir dos 30 anos de idade. Comigo não foi bem assim. Comecei a envelhecer quando meu filho nasceu. Por coincidência tinha justamente trinta anos. Achava que como pai tinha responsabilidade financeira e gastava todos meus dias trabalhando para sustentar a família. Chegava em casa tarde da noite, acabado de tanto cansaço, mal conseguindo aproveitar o calor de um lar. Voltei a ficar jovem quando nasceu meu neto.   Brincamos juntos todas as manhãs na pracinha do bairro e me renovo todo dia.     Comecei a envelhecer quando me preocupei em esconder os primeiros fios de cabelo branco. Rejuvenesci quando deixei os grisalhos crescerem natural e desalinhadamente por cima das orelhas. Sentia-me um velho trabalhando sem prazer, amargurado, reclamando e só pensando no dia da minha aposentadoria. Depois de aposentado, virei criança. Esta conversa de envelhecer depois dos trinta começava a cair por terra. Pensava que depois de ficar viúvo, a

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"Um texto só é um texto se ele oculta ao primeiro olhar, ao primeiro encontro, a lei de sua composição e a regra de seu jogo. Um texto permanece, aliás, sempre imperceptível. A lei e a regra não se abrigam no inacessível de um segredo, simplesmente elas nunca se entregam, no presente, a nada que se possa nomear rigorosamente uma percepção" "(...) Sócrates se põe a contar como os homens são levados para fora de si, ausentam-se de si mesmos, esquecem-se e morrem na volúpia do canto" "(...) Não muito mais adiante, Sócrates compara a uma droga ( phármakon ) os textos escritos que Fedro trouxe consigo. Esse phármakon , essa 'medicina', esse filtro, ao mesmo tempo remédio e veneno, já se introduz no corpo do discurso com toda sua ambivalência. Esse encanto, essa virtude de fascinação, essa potência de feitiço podem ser - alternada ou simultaneamente - benéficas e maléficas" "Descrevendo o lógos como um zôon, Platão segue alguns re

O que é Filosofia Clínica?*

A Filosofia Clínica foi criada pelo médico gaúcho, Lucio Packter que, insatisfeito com algumas abordagens terapêuticas, na década de 80, pôs-se a viajar pelo mundo em busca de novos métodos para conhecer e cuidar o ser humano em sua integralidade. Mesmo conhecendo a filosofia de aconselhamento na Europa e a filosofia prática, nos EUA, iniciou suas próprias pesquisas, resultando no que chamou de Filosofia Clínica. A Filosofia Clínica é uma abordagem terapêutica que visa trabalhar as questões existenciais do paciente que, em Filosofia Clínica, é chamado de partilhante, porque na dinâmica da clínica filosófica, o que existe é uma construção partilhada que se dá através da interseção (modo de relação) de ambos na busca por um conforto existencial.  É Filosofia porque parte da inspiração de seu método a partir da pesquisa dos filósofos ao longo da história do pensamento ocidental. E é Clínica porque pretende ser aplicada ao todo do homem, do sujeito que procura a terapia, na inte

Fragmentos Filosóficos, Poéticos, e algo mais*

"As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera"  "(...) O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?" "(...) Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente" "As obras de arte são de uma infinita solidão; nada as pode alcançar tão pouco quanto a crítica. Só o amor as pode compreender e manter e mos

Sem discípulos*

“Objeto é apenas o que pode ser ocupado e abandonado.”                  Peter Sloterdijk (Esfera I – Bolhas) Nenhum homem, nenhum momento, nem a flor do pensamento, meio olho e uma frota de navios imaginários a se perder na linha do tempo. De nunca mais poder retornar à terra segura, mesmo sendo o que ilumina as ideias, anda, por ora, a procurar o fantasma do passado, uma obsessão do demônio da igualdade nos poros biológicos predestinados a sobreviver ao sol. O novo tempo é a estranha forma de matar e limpar as ruas em nome de uma integridade tenebrosa. A moralidade se impõe como ordem dos néscios de alma que evocam a religião, a ciência e até a arte de matar o próximo. O homem deste século sabe tudo, até mesmo crê que é inferior a deus para matar em nome de um deus. Prefiro ver o rio caudaloso de ideias se perder em ruas, túneis profundos, em pedras que escondem os desconhecidos a morrer na ordem do exército de mosquitos que sugam o sangue da maioria que pondera. Na fuga, a

Fragmentos Filosóficos, Devaneios e algo mais*

"O espelho das águas ? É o único espelho que tem uma vida interior. Como estão próximos, numa água tranquila, a superfície e a profundidade! Profundidade e superfície encontram-se reconciliadas. Quanto mais profunda é a água, mais claro é o espelho A luz vem dos abismos. Profundidade e superfície pertencem uma a outra, e o devaneio das águas dormentes vai de uma à outra, interminavelmente. O sonhador sonha sua própria profundeza" "(...) o mundo vem respirar em mim, eu participo da boa respiração do mundo, estou mergulhado num mundo que respira" "As cosmogonias antigas não organizam pensamentos, são audácias de devaneios, e para devolver-lhes a vida é necessário reaprender a sonhar" "Quando um sonhador de devaneios afastou todas as preocupações que atravancavam a vida cotidiana, quando se apartou da inquietação que lhe advém da inquietação alheia, quando é realmente o autor de sua solidão, quando, enfim, pode contemplar, sem contar as

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