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O caminho do meio*

  Só o meu é o caminho do meio. Já que só a mim me vejo ali.   Nem a direita, ou a esquerda, ou ao alto, ou abaixo, outrem vejo eu... O caminho do meio é ermo. Nem o tabaco de Buko, nem o legado de Buda.   É caminho que não se trilha trilha que não se abriu... nem os bebês cor de rosa nem as rosas do tango cálido!   Melancólico até é e não... Já que aporta minha alegria caduca  de quem está cabeluda de saber  que não se tem mais a se tirar do mundo,  por ninguém que esteja vivo, pisando sobre o planeta... É solitário, mas não é só - ou o contrário, sei lá...   Tem a sombra amiga e perigosa das minhas convicções nada inflexíveis,  no entanto fartas de conhecer que não há grande margem pra mudar segundo se pensa  dos outros lados onde transitam os demasiado crédulos, que se dão ao desfrute da demasiada ilusão!   O verdadeiro caminho do meio, não aporta o equilíbrio dos buscadores, nem a descompensação dos viciados... Distingue-se diametralmente desse outro de

Poéticas do Indizível*

“(...) Graças as sombras, a região intermediária que separa o homem e o mundo é uma região plena, de uma plenitude de densidade ligeira. Essa região intermediária amortece a dialética do ser e do não ser".                                                                Gaston Bachelard       Uma crença muito antiga aprecia atualizar-se desse enigmático hoje que um dia foi amanhã. Poderia ser o pretérito imperfeito de uma busca ou aquele quase nada onde tudo acontece. Atualização de um dialeto nem sempre dizível, a se alimentar nas fontes inenarráveis, nos paradoxos, nas desleituras criativas. Seu visar inédito sugere desvãos ao mundo que se queria definitivo. Costuma ser abrigo do acaso na versão do avesso das coisas. Ao referir o encantamento das pequenas devoções, parece traduzir esse texto interminável, por onde a vida escoa seus segredos. Realiza um esboço sobre as tentativas de decifrar um mundo que é mistério por natureza. A característica de ser imprevisível seria insu

Polifilosofia, Lógica do terceiro incluso e Filosofia Clínica***

A Filosofia Clínica é uma filosofia vazia de filosofia: é uma filosofia negativa, é uma não-filosofia, porque é total acolhimento. Ela nada impõe: ela recebe e acolhe as outras filosofias, inclusive as incompatíveis e contraditórias. A sua lógica geral somente pode ser uma lógica na qual as contradições sejam bem-vindas. Bachelard sugere que nenhuma filosofia corresponde à totalidade do mundo: seria necessária a criação de uma polifilosofia, de uma filosofia aberta de segunda ordem, na qual todas as filosofias – mesmo as filosofias contraditórias, mesmo as filosofias incompatíveis – tivessem um lugar. Essa polifilosofia é, propriamente, uma filosofia vazia de filosofia; ela é pura forma, é uma filosofia de segunda ordem, uma metafilosofia. Essa filosofia de segunda ordem, essa filosofia polifilosófica, evidentemente não pode existir segundo as normas da lógica clássica. Afinal, a lógica clássica não suporta as contradições e as incompatibilidades. Ela exige uma lógica do terceiro inclu

El viajero de los mañanas***

“ El filósofo es una de las formas en que se manifiesta el taller de la naturaleza: El filósofo y el artista hablan de los secretos de la actividad de la naturaleza”.                                                                                                Friedrich Nietzsche                                                  El espíritu aventurero inadecuado para la cristalización del conocimiento, se rehace en las escaramuzas de un territorio movido por el movimiento. Su sesgo de intimidad precursora se alimenta de las calles, carreteras, suburbios inmerecidos. Es inusual que se puedan compartir fácilmente estos eventos antes del enlucido conceptual. La irregularidad narrativa como propósito sin propósito adquiere casi poesía, para intentar decir algo sobre hechos irreconciliables desde la perspectiva de límites bien definidos. Esta lógica de singularidades fluctuantes se aplica a cosas irreconocibles en el vocabulario conocido.   Su desprecio por las fronteras, objetivado por acu

Alerta: Ruídos na Transmissão*

Na tentativa da comunicação verbal, nem sempre o que um fala é o que o outro escuta, e o mesmo pode ocorrer na forma escrita, quando o que se apresenta pode ser lido e entendido de maneiras diferentes. A origem desta falta de sintonia pode partir tanto de quem envia como de quem recebe a mensagem, pois uma série de interferências internas e externas estão em jogo. Nem sempre é fácil exprimir em palavras pensamentos e emoções, ou, em outros termos, é difícil transmitir com clareza um sentimento ou uma emoção, e talvez o motivo desta dificuldade seja a própria emoção, mas isto é um outro assunto... Se por um lado existe a dificuldade em transmitir, receber também tem suas peculiaridades. Pessoas escutam, leem, veem e depois interpretam a mensagem de acordo com suas visões de mundo. Distorções também podem acontecer por desatenção, expectativa e ansiedade em assimilar de imediato o conteúdo da mensagem recebida. Um velho ditado popular já dizia “cada um escuta o que quer ouvir”. A

Obsessão do mar oceano*

  Vou andando feliz pelas ruas sem nome... Que vento bom sopra do Mar Oceano! Meu amor eu nem sei como se chama, Nem sei se é muito longe o Mar Oceano... Mas há vasos cobertos de conchinhas Sobre as mesas... e moças nas janelas Com brincos e pulseiras de coral... Búzios calçando portas... caravelas Sonhando imóveis sobre velhos pianos... Nisto, Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous, E eu me lembrei do pobre imperador Adriano, De su'alma perdida e vaga na neblina... Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano! Se eu morresse amanhã, só deixaria, só, Uma caixa de música Uma bússola Um mapa figurado Uns poemas cheios da beleza única De estarem inconclusos... Mas como sopra o vento nestas ruas de outono! E eu nem sei, eu nem sei como te chamas... Mas nos encontraremos sobre o Mar Oceano, Quando eu também já não tiver mais nome.   *Mário Quintana in " O Aprendiz de Feiticeiro ". Ed. Cia das Letras. SP. 2005.

Notas de Lisboa*

  “O vento, enfim, parou Já mal o vejo por sobre o Tejo E já tudo pode ser tudo aquilo que parece Na Lisboa que amanhece” (Sergio Godinho)   “Vejo esta cidade parada no tempo deve ser saudade a vista que invento” (Pedro Ayres Magalhães – Lisboa Rainha do Mar – Madredeus)   Se eu pudesse levar uma trilha sonora para onde quer que fosse, escutar, ver o mundo por dentro, entranhas fincadas na memória, à maneira de um passante, errante, dono do seu devaneio. À toa o Ser. Um desavisado, já dizia Bergson, em outro canto da vida: o passado expandindo-se no seu presente, permanecendo tão atual, a ação, movimentos dos corpos por noites em Lisboa. E, por dentro, lá se vai manhã que acorda os sonhadores depois da luz, bem antes da salvação dos navios mercantes, sanguinários. Ter o espaço imaginário, as frestas da vida, entre o contínuo movimento, longa viagem do corpo, renasce, tempo penetra, entre lágrimas e riso, lá do alto dos afagos noturnos da cidade que abraça e beija

O Tempo e a Musa*

Há tempo para tudo porque há um tempo que corre por dentro de cada um de nós. É uma sinfonia singular demais e que dispensa a pulsação possível de qualquer ampulheta alheia simplesmente porque transcende o ordinário, o cronológico. É um tempo munido de um vento que vai deixando de ser furacão pouco a pouco para se tornar uma brisa agradável e confortante na medida em que ousamos nos conhecer cada vez mais, na direção de aprender a aceitar quem de fato nós somos agora. E é a partir dessa conquista que podemos finalmente seguir com mais propriedade, dotados da paz devida transgredindo e transcendendo na direção de tudo aquilo que tem verdadeiro sentido e significado dentro das delimitações da nossa existência. E quanto mais íntimos nos tornamos de tudo que corre por dentro de nós, mais vamos percebendo que assim como é por dentro, é por fora... Afinal, sem aprender a perdoar os outros e a nós mesmos não dá para desapegar de nada; não dá para amar e ser amado na medida da nossa próp

Estéticas possíveis: sobre fluxos e contenções*

Recentemente uma pessoa querida solicitou indicação de um livro sobre Filosofia Clínica que fosse introdutório. Logo falei de “Filosofia Clínica: propedêutica” de Lúcio Packter, porém, em seguida eu disse “Pérolas Imperfeitas - apontamentos sobre as lógicas do improvável” de Hélio Strassburger. No instante em que escrevo, percebo que este último é para mim, introdutório e avançado.   Relendo-o esse mês, dez anos após minha primeira leitura, percebo que o método da Filosofia Clínica, talvez, consiga abrir caminhos para o fluir das águas que somos, como já falava Heráclito sobre este tipo de devir. O que percorre vales, abre caminhos formando contornos em busca de melhores lugares onde possa seguir seu curso, deságua em mares. Um tipo de devir onde uma parte das águas, vez ou outra empoça em um leito cômodo enquanto outra parte precisa seguir e como isso tudo faz parte, organicamente, de um sistema que afeta enquanto é afetado. Por isso, talvez, a Filosofia Clínica seja um método contrac

des-Educação*

  Desde o início do século há um processo de aceleração da des-Educação em curso no Brasil. Esse processo teve início com a mercantilização do ensino superior - e radicalizou-se com o crescimento dos conglomerados "educacionais" administrados por banqueiros ou por grupos estrangeiros. Sob a justificativa da "democratização", as vagas no ensino superior foram multiplicadas - inicialmente, pela abertura de faculdades, centros universitários e universidades particulares; posteriormente, pela entrada em cena do ensino à distância. O problema é que nesse caminho os brasileiros foram enganados: quase sempre o ensino superior privado é fraudulento, e na modalidade à distância é fraudulento por completo. Com exceções que podemos contar nas mãos, não existe universidade particular no Brasil: o que há é estelionato acadêmico, é fraude institucionalizada pelo Governo Federal. * * * Três em cada quatro estudantes do nível superior no Brasil estão em instituições privada

O Avesso do Avesso*

Às vezes, há instantes que – como respirações suspensas e eternizadas pelo tênue ar que mantém a fugacidade do momento – traduzem os infinitos que nos compõem e transpiram a vitalidade da essência de que somos feitos, como se conseguissem concentrar num átimo toda a potencialidade da existência. Momentos assim são como pérolas escondidas em conchas vigorosas que resistem em se revelar, temerosas de que seu valor jamais seja devidamente apreciado.  E, no entanto, expressam uma preciosidade que não pode ser transposta na insanidade da realidade que ofusca e que muitas vezes nem mesmo se percebe. A vida é mais do que o avançar do tempo, muito mais do que o contar dos batimentos. A vida não se esgota e não se permite rótulos, embora as vendas se acumulem nos olhos de quem se recusa a verdadeiramente engolir a pílula vermelha... cor do sangue de que nos alimentamos, da maçã que nos incita a não resistir tanto às tentações, da vibração que nos mantém aquecidos e atentos ao instante seguinte.

O Ser Humano é a Medida de Todas as Coisas*

Filosoficamente, esta frase foi combatida por Sócrates no diálogo Teeteto, que lida com o conhecimento ou aquilo que é conhecimento, que em filosofia chamamos de epistemologia, ou seja, o estudo sobre o que é o conhecimento e como justificá-lo. Fundamentalmente, conhecimento – episteme – é diferente de opinião – doksa. Para que possa haver conhecimento, como dirá Aristóteles anos mais tarde depois de Sócrates, a investigação há que se fundar em algo que seja universal e firme, pois não se faz ciência de opiniões e de casos particulares ou singulares. Pois um dos aspectos fundamentais do conhecimento é sua comunicabilidade. Se aquilo do qual temos ciência, se desvanece em minha própria subjetividade ou se desfaz logo depois de eu ter tido “contato” com ele, então é incomunicável, não replicável e influenciado pelas contingências ou da minha subjetividade ou das circunstâncias ou do próprio acaso. Por isso, neste diálogo, Sócrates combate esta frase de Protágoras, o maior sofista c

A Terra se move? Considerações da filosofia e da filosofia clínica*

  Em 1934, Edmund Husserl escreveu um texto intitulado “A Terra não se move. Investigações básicas sobre a origem fenomenológica da corporeidade, da espacialidade da Natureza no sentido científico-natural primeiro. Necessárias investigações iniciais” (trad. livre). Não se trata, como se pode inferir apressadamente, de uma negação do movimento da Terra, da ciência moderna, muito menos de um terraplanismo ou alguma bobagem dessa ordem, tão vigente em nossos dias. A proposta husserliana é nos fazer pensar nossa experiência originária (no sentido ontológico) da Terra. Sob o ponto de vista da ciência, sabemos diversas coisas sobre nosso planeta e o universo: está em um Sistema Solar, na Via Láctea, é um corpo ao lado de incontáveis outros e possui movimentos de rotação e translação.   Mas, a fenomenologia filosófica nos leva a experiência originária, às nossas referências imediatas a partir das quais nos guiamos, vivemos e somos. Nessa experiência imediata, a Terra é um ponto imóvel q

A arte de ouvir*

Querido leitor, que você esteja bem. Hoje vamos refletir sobre um texto oportuno de Rubem Alves: “Saber Ouvir”. De todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, do viver juntos e da cidadania é a audição. Disse o escritor sagrado: “No princípio era o Verbo”. Eu acrescento: “Antes do Verbo era o silêncio.” É do silêncio que nasce o ouvir. Só posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Diz Rubem Alves: Quem fala muito não ouve. Sabem disso os poetas, esses seres de fala mínima. Eles falam, sim. Para ouvir as vozes do silêncio. Não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa para, por não haver o que dizer, tratamos logo de falar qualquer coisa, para por um fim no silêncio. Vez por outra tenho vontade de escrever um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. Ali estamos, nós dois, fechados naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou olhamos para

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