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Polifilosofia, Lógica do terceiro incluso e Filosofia Clínica***

A Filosofia Clínica é uma filosofia vazia de filosofia: é uma filosofia negativa, é uma não-filosofia, porque é total acolhimento. Ela nada impõe: ela recebe e acolhe as outras filosofias, inclusive as incompatíveis e contraditórias. A sua lógica geral somente pode ser uma lógica na qual as contradições sejam bem-vindas.

Bachelard sugere que nenhuma filosofia corresponde à totalidade do mundo: seria necessária a criação de uma polifilosofia, de uma filosofia aberta de segunda ordem, na qual todas as filosofias – mesmo as filosofias contraditórias, mesmo as filosofias incompatíveis – tivessem um lugar. Essa polifilosofia é, propriamente, uma filosofia vazia de filosofia; ela é pura forma, é uma filosofia de segunda ordem, uma metafilosofia.

Essa filosofia de segunda ordem, essa filosofia polifilosófica, evidentemente não pode existir segundo as normas da lógica clássica. Afinal, a lógica clássica não suporta as contradições e as incompatibilidades. Ela exige uma lógica do terceiro incluso, uma lógica como a que formula Lupasco: uma lógica em que, ao lado das proposições verdadeiras e falsas, haja lugar para aquelas que não sejam nem verdadeiras, nem falsas, e de outras que sejam ao mesmo tempo verdadeiras e falsas.

O conceito de polifilosofia e a lógica do terceiro incluso permitem-nos pensar a radicalidade filosófica da Filosofia Clínica. Ela é uma polifilosofia no sentido bachelardiano: vazia de determinações próprias, ela é pura abertura, ela é pura interseção, na qual a lógica de Lupasco é perfeitamente adequada para ordenar um sistema de acolhimento de filosofias dissimilares.

A lógica regente das lógicas singulares que compõem uma Estrutura de Pensamento é uma lógica como a do terceiro incluso – que nada rejeita, que tudo aproxima, que reúne o que de outro modo estaria insoluvelmente apartado.

No panorama da História da Filosofia, a Filosofia pode ser pensada como uma meta-filosofia, como um programa que recebe, integra e relaciona todas as filosofias possíveis, por mais díspares e incompatíveis que elas sejam, numa disposição aberta de mundo que reflete uma Estrutura de Pensamento. A Filosofia Clínica pode ser concebida, enfim, como uma certa ordenação da Estrutura de Pensamento, uma estrutura que acolhe delicada e gentilmente todos os modos de pensamento e de vida, e que arranja as suas contradições de modo que elas se configurem não como aniquiladoras, mas como dialeticamente constitutivas, como criadoras da própria singularidade.

*Prof. Dr. Gustavo Bertoche

Filósofo. Mestre e Doutor em Filosofia. Escritor. Musicista. Educador. Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de "Doutor Honoris Causa". 

Teresópolis/RJ

*Texto publicado na edição de inverno/2022. Revista da Casa da Filosofia Clínica.

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