Nem a gripe que me pegou de jeito
esses dias abalou a vontade de dividir com vocês um pouco da relíquia que tenho
em mãos... Ganhei de um amigo recente, o jornalista e escritor Celso Viola, um
dos editores da Revista, a Edição 1, Maio de 2012, da ALEF, Revista de
Literatura Ibero-americana, que traz esse nome em homenagem ao escritor
argentino Jorge Luis Borges.
Já no Editorial (ALEF ao leitor), deixa claro a que veio: para aproximar produtores culturais, de línguas e culturas diversas, irmanados pela resistência ao predomínio monetário, cultural e ideológico. Minha alegria não poderia ser maior ao saber que foi gestada em minha cidade natal, Gramado / RS. Mesmo enfermo, o pensamento crítico ainda vive e no que depender de mim e de outros tantos que tenho encontrado pelo caminho, seguirá pulsando...
Tem um artigo interessantíssimo sobre as bases do modernismo em Portugal, que faz integrar dois brasileiros à Geração Orpheu, citados pelo próprio Fernando Pessoa: o gaúcho Eduardo Guimarães e o carioca Ronald de Carvalho. Mas o que quero deixar aqui é um texto de Flávio Lopes da Silva, premiado escritor português da cidade de Barcelos, que diz escrever para não estar calado, para não perder a fome, para viajar sem ter que ir...
Enquanto estiver a escrever um poema não me chamem para a mesa
Não me perguntem se amanhã vai estar bom tempo
Não questionem a minha existência
Não me convidem
Não me convidem para orgias
Não me digam que a morte vem a correr com uma louca
Não façam de conta que estou a morrer pela minha mão.
Enquanto escrevo um poema sou outro
Outro que eu desconheço nem lembro nem palpito
O meu sangue é burguês e gosta de inventar tornados
O meu coração é um esquizofrénicozinho
Porque a vida, meus senhores,
A vida é um escândalo e a morte é pornográfica!
Enquanto estiver a escrever um poema não me falem em tísicas fulanas
Não me matem mais do que já estou
Não me excitem o perónio
Não me congratulem com santinhos para a cabeceira
Ignorem que estou a desistir
A ser fatal em cada movimento.
Não vêem que estou a dar à luz um relógio de sala?
Não me ponham espelhos côncavos na frente
Nem navios a afundar
Preciso de concentração para morrer.
Para te encontrar escrevo e pinto bússolas
Engulo todo o ar possível até atingir o voo
E contorno as lâminas da incerteza.
Para te encontrar cerco-me de loucuras, fantasio-me
Com os cabelos de um santo e nego explicar
Por que enjoam as flores.
Para te encontrar carrego o tear dos dias,
Construo chãos em cima de chãos
E descubro uma ideia de ti
Em cada grito, em cada rebanho de suor.
(Flávio Lopes da Silva)
*Ana Rita de Calazans Perine. Filósofa Clínica, Pesquisadora, Educadora, Mobilizadora Social e Empresarial. Cofundadora do Instituto ORIOR. Formação em Ciências Jurídicas e Sociais, Filosofia Prática e Filosofia Clínica (IMFIC / Instituto Packter – ANFIC / Casa da Filosofia Clínica). Trinta anos dedicados a pesquisas, aplicação e difusão de ciências humanas e afins. Atua na área de Desenvolvimento Humano e Transformação Cultural, fortalecendo partilhas e redes transdisciplinares de aprendizado. www.orior.com.br/ana-rita
**Nota: Também disponível nas principais plataformas de áudio, pelo canal FILOSOFIA CLÍNICA – Diálogos Transversais.
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