Outro dia estava
sentada na praça central de uma cidade do interior, deliciando-me com um dos
meus exercícios preferidos: observar. O meu olhar se interessa por pessoas,
animais, plantas, detalhes das casas e tudo mais que possa compor o cenário.
Como há alguns dias
estava frequentando esta praça, e apaixonada por bichinhos que sou, acabei
fazendo amizade com um cachorrinho viralata todo preto, lindo, que passa seus
dias desfilando seu charme por aí e ansioso por carinho e bom trato.
Pois este cachorrinho,
que é um doce de amável, caiu na antipatia de um menino, que insistia em lhe
dar chineladas. Observei a cena e comecei a me irritar. Disposta a defender o
cão, me ergui e fui até o local onde agora estavam o cachorrinho, o menino, e
mais duas meninas que defendiam o animal.
Perguntei ao menino
porque batia no cão e a resposta foi de este o havia mordido, ou tentado,
afirmativa diante da qual as meninas prontamente se manifestaram: ‘é mentira’.
Sinceramente, não acredito que o cão o tenha mordido, ou tentado, a menos que
um ato de brutalidade inicial tenha partido do menino. Também não acredito que
as chineladas que o menino dava no cachorro tinham por objetivo machucar, ou
mostrar alguma autoridade, ou repreender.
Sabe o que acho? Esse
menino é tão carente quanto o cão, mas não sabe dar e nem pedir carinho. Talvez
tenha aprendido que docilidade não é coisa pra ele, e então o jeito que
encontrou de encostar no bichinho, trocar algum calor, tenha sido o da
brutalidade.
Pois é. Nós seres
humanos somos assim. Mandamos mensagens contrárias muitas vezes. Se queremos
compreensão, passamos o tempo todo reclamando que o mundo não nos entende e
assim fechamos as portas pra qualquer entendimento. Se queremos carinho, nossa
carência e revolta por ela nos faz agredir.
Mais fácil seria,
quando queremos carinho, sair correndo atrás da pessoa se abanando todo,
disposto, feliz, com os olhos dizendo ‘você é meu dono, você é tudo pra mim,
olha como me rolo, me sacudo, me entrego pra ti. Te adoro, vem cá, vamos
brincar”. É assim que os cães fazem, e, convenhamos, quem consegue resistir? É
muito mais fácil gostar de um cachorrinho do que de um menino como este das
chineladas, porque no cachorrinho abunda, e é de forma explícita, o seu desejo
por troca, por afeto...
Eu acredito que humanos
e animais têm uma natureza disposta à troca, ao amor, ao carinho, à
compreensão. Mas acredito que os animais têm uma vantagem sobre nós: são muito
mais dispostos. E o motivo é simples: pra eles, todos são merecedores de
atenção.
Nós, seres humanos,
antes de uma entrega ficamos avaliando, pensando, ponderando, e nesse processo,
muitas vezes, nos podando. Claro que motivos não faltam, e nesse sentido pesam
argumentos como histórico de frustrações de cada um e o fato de existir gente
mal intencionada mesmo. De qualquer forma, 1 a 0 para os animais.
*Sandra Veroneze
Jornalista. Editora. Escritora. Filósofa
Clínica.
São Paulo/SP
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