“Nem sabia se era começo ou fim. Poderia ser tudo ou nada.”
Helio Strassburger
A impressão durante quase toda a
leitura é de estar diante de uma poesia. Não há, absolutamente, nenhuma indução
neste sentido, pelo título; é que ela está presente em sua fala, tanto quanto
na singularidade. O ritmo é o da poesia que provoca, que não quer esclarecer,
mas dar uma chance aos mais epistemológicos de se deliciar.
Hélio força o leitor a fazer
certo ajuste para entrar no mundo da especulação e acredito que este seja pelo
menos uma de suas características. A ausência de pronomes definidos e a
sensação de que estamos a todo o momento sendo levados a um caminho de
sugestões – como um convite a um passeio pela complexidade das palavras –
expressam bem esse sentimento.
Não há obviedade na leitura, mas
e daí... também não há nenhuma no ser humano (pré-juízos meus!). Ela acontece
de uma maneira curiosa, que impele a uma reflexão quase artística. Muitas vezes
é possível (e inevitável) se perder na beleza da escolha de termos, que para
muitos podem até ser equívocos. Quantas vezes são necessárias releituras para
encontrar o sentido claro/oculto das entrelinhas. A estrutura de pensamento
deve estar aberta e receptiva à percepção. Se estiver, é uma festa na apreensão
e interiorização de uma possível proposta. O texto é uma dança de
possibilidades e é justamente aí que reside sua riqueza.
Nosso professor e filósofo
clínico provavelmente não tem a intenção de ser elucidativo. Deixa a quem se
aventura a emoção desse passeio por entre suas impressões acerca da
singularidade, que por si só, convenhamos, já seria uma grande viagem. Não é
fácil chegar a um consenso sobre o texto, mas existe algum que se preze a
consensos? Se assim fosse não exerceriam encantos sobre os que os leem, pois estariam
condenados à superficialidade dos que nada, ou muito pouco, têm a dizer, dando
voltas e mais voltas sem chegar a qualquer paragem. Não que isso importe tanto,
pois há vias de beleza em qualquer lugar, dependendo isso somente do momento em
que se encontra a estrutura de pensamento. Mas qualquer uma é plástica o
bastante para se permitir, teoricamente, qualquer movimento.
Às vezes, porém, o ritmo causa
estranheza e incomoda pela extensão e pelo contexto, algo caótico.
Sinceramente, ao leigo não é recomendável que esteja desbravando, iniciando,
seus estudos em Filosofia Clínica, ainda que esta esteja plenamente situada em
cada frase, rica ou não em seus vice-conceitos, estes sempre belos submodos.
Assim, a percepção singular prossegue, calma e pausadamente, amadurecendo a
loucura expressa na singela intenção da dúvida inevitável.
O texto incomoda e instiga, mas
emociona. Deve ser saboreado como um desafio, como a vida. E justamente por
isso que faz com que muito, de tudo, valha a pena. Um pressuposto justo a quem
se aventura, mas igualmente provoca encanto em suas associações ou impressões
subjetivas, pois incita o levantar dos olhos para alcançar uma visão
diferenciada do próximo. O próximo também é complexo, com sua singularidade nem
sempre simples e terna, mas sempre disposta a reverberar e contagiar. Como as
palavras, em suas ricas disposições, podem iniciar as consequências do voo da
borboleta.
Em Filosofia Clínica, a
singularidade poética de cada ser é justamente o que fascina. As muitas
possibilidades que se abrem em torno de cada um e em cada aventura passível de
ser vivenciada é o que torna bela a caminhada. Não importa para onde o olhar se
remeta, o que conta é a consciência envolvida, a respiração conjunta que
impulsiona, mesmo que não se saiba exatamente para onde, ou para quê.
Hélio Strassburger é rígido
quando cuida da formação do filósofo clínico e sugere, pretensiosamente,
direcionar o exercício peculiar de cada um. Mas o faz de forma carinhosa e
muito bem estruturada, resultado de suas vivências clínicas e dos quilômetros
percorridos de uma didática envolvente e livre. Há surpresas em cada encontro.
*Luana Tavares
Filósofa. Mestre em Filosofia.
Escritora. Filósofa Clínica
Niterói/RJ
Comentários
Postar um comentário