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Comentário ao livro: “Poéticas da Singularidade”. Editora E-Papers/RJ. 2007.*

“Nem sabia se era começo ou fim. Poderia ser tudo ou nada.”

 Helio Strassburger

 

                                                   A impressão durante quase toda a leitura é de estar diante de uma poesia. Não há, absolutamente, nenhuma indução neste sentido, pelo título; é que ela está presente em sua fala, tanto quanto na singularidade. O ritmo é o da poesia que provoca, que não quer esclarecer, mas dar uma chance aos mais epistemológicos de se deliciar.

Hélio força o leitor a fazer certo ajuste para entrar no mundo da especulação e acredito que este seja pelo menos uma de suas características. A ausência de pronomes definidos e a sensação de que estamos a todo o momento sendo levados a um caminho de sugestões – como um convite a um passeio pela complexidade das palavras – expressam bem esse sentimento.

Não há obviedade na leitura, mas e daí... também não há nenhuma no ser humano (pré-juízos meus!). Ela acontece de uma maneira curiosa, que impele a uma reflexão quase artística. Muitas vezes é possível (e inevitável) se perder na beleza da escolha de termos, que para muitos podem até ser equívocos. Quantas vezes são necessárias releituras para encontrar o sentido claro/oculto das entrelinhas. A estrutura de pensamento deve estar aberta e receptiva à percepção. Se estiver, é uma festa na apreensão e interiorização de uma possível proposta. O texto é uma dança de possibilidades e é justamente aí que reside sua riqueza.

Nosso professor e filósofo clínico provavelmente não tem a intenção de ser elucidativo. Deixa a quem se aventura a emoção desse passeio por entre suas impressões acerca da singularidade, que por si só, convenhamos, já seria uma grande viagem. Não é fácil chegar a um consenso sobre o texto, mas existe algum que se preze a consensos? Se assim fosse não exerceriam encantos sobre os que os leem, pois estariam condenados à superficialidade dos que nada, ou muito pouco, têm a dizer, dando voltas e mais voltas sem chegar a qualquer paragem. Não que isso importe tanto, pois há vias de beleza em qualquer lugar, dependendo isso somente do momento em que se encontra a estrutura de pensamento. Mas qualquer uma é plástica o bastante para se permitir, teoricamente, qualquer movimento.

Às vezes, porém, o ritmo causa estranheza e incomoda pela extensão e pelo contexto, algo caótico. Sinceramente, ao leigo não é recomendável que esteja desbravando, iniciando, seus estudos em Filosofia Clínica, ainda que esta esteja plenamente situada em cada frase, rica ou não em seus vice-conceitos, estes sempre belos submodos. Assim, a percepção singular prossegue, calma e pausadamente, amadurecendo a loucura expressa na singela intenção da dúvida inevitável.

O texto incomoda e instiga, mas emociona. Deve ser saboreado como um desafio, como a vida. E justamente por isso que faz com que muito, de tudo, valha a pena. Um pressuposto justo a quem se aventura, mas igualmente provoca encanto em suas associações ou impressões subjetivas, pois incita o levantar dos olhos para alcançar uma visão diferenciada do próximo. O próximo também é complexo, com sua singularidade nem sempre simples e terna, mas sempre disposta a reverberar e contagiar. Como as palavras, em suas ricas disposições, podem iniciar as consequências do voo da borboleta.

Em Filosofia Clínica, a singularidade poética de cada ser é justamente o que fascina. As muitas possibilidades que se abrem em torno de cada um e em cada aventura passível de ser vivenciada é o que torna bela a caminhada. Não importa para onde o olhar se remeta, o que conta é a consciência envolvida, a respiração conjunta que impulsiona, mesmo que não se saiba exatamente para onde, ou para quê.

Hélio Strassburger é rígido quando cuida da formação do filósofo clínico e sugere, pretensiosamente, direcionar o exercício peculiar de cada um. Mas o faz de forma carinhosa e muito bem estruturada, resultado de suas vivências clínicas e dos quilômetros percorridos de uma didática envolvente e livre. Há surpresas em cada encontro.

 

*Luana Tavares

Filósofa. Mestre em Filosofia. Escritora. Filósofa Clínica

Niterói/RJ

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