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Tempo de espera*

Certa vez, dez anos atrás, fui contratado por uma editora para escrever um livro sobre salas de espera de consultórios de saúde. Sendo médico, filósofo e escritor, acreditaram que eu teria plenas condições de realizar esta missão.

Trabalhei com afinco e prazer por vários meses. Iniciei falando que nem tudo na vida pode acontecer exatamente no momento desejado. Algumas situações exigem esperar. Esperar o nascimento de um filho, a diplomação na faculdade, a cura de uma doença, o pagamento no final do mês, o sinal de trânsito abrir, a tempestade acalmar, a pandemia acabar, a raiva passar.

Depois expliquei os motivos de atraso para o início de alguns espetáculos teatrais, por que algumas pessoas reclamam e outras se alegram pelo fato de esperar, por que estamos cada dia menos pacientes, por que e para que se formam filas em supermercados, por que determinados profissionais atrasam deliberadamente suas consultas.

Fui adiante nas considerações filosóficas comentando que não estamos acostumados a planejar nosso tempo e, por isto, quando sentimos que estamos perdendo tempo, ficamos angustiados e gastamos energia tentando recuperá-lo com pequenas coisas, como trocar de fila no engarrafamento, dirigir e utilizar o celular ao mesmo tempo, ultrapassar semáforos fechados, arriscando nossas vidas e a de outros em troca de míseros segundo extras.

A sensação de tempo roubado na sala de espera dos consultórios não é diferente e este momento de angústia e impaciência dos pacientes pode ser utilizado de forma produtiva constituindo-se numa excelente oportunidade de relacionamento.

Claro que depois destas reflexões filosóficas, entrei no assunto propriamente dito com considerações técnicas, arquitetônicas, mercadológicas e demais aspectos importantes de uma sala de espera, inclusive com uma pesquisa sobre o comportamento dos pacientes em diferentes tipos de salas de espera.

Restava ainda escolher um título para o livro. Gastei semanas e neurônios pensando. Várias idéias surgiram, mas uma havia conquistado meu coração: “Enquanto se espera tudo pode acontecer”. Este título representava tudo aquilo que havia me dedicado meses a fio escrevendo. Não tive mais dúvidas, finalizei o livro e encaminhei para a editora.

Adoraram, no entanto, recusaram o título argumentando que não era comercialmente vendável.  O que significava “enquanto se espera tudo pode acontecer”? Como o público que estava à procura de idéias para melhorar suas salas de espera encontraria um livro com um título tão indefinido assim? O nome sugerido pela editora foi “Sala de espera – diferencial rumo ao sucesso”, e realmente foi um sucesso de vendas.

A editora ficou satisfeita, meu bolso ficou contente, mas meu coração foi calado. A pergunta que agora não quer calar e foi inspiração para este artigo de resgate sentimental é: Quando você posta algo nas redes sociais, faz com o objetivo de vender e ter sucesso ou posta aquilo que seu coração sente? Se tivesse que colocar um título no livro de sua vida, qual seria?

*Dr. Ido Meyer

Médico. Escritor. Mágico. Palestrante. Filósofo Clínico.

Porto Alegre/RS

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