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Fragmentos Filosóficos, Delirantes, e algo mais*

"Um filósofo é um homem que continuamente vê, vive, ouve, suspeita, espera e sonha coisas extraordinárias; que é colhido por seus próprios pensamentos, como se eles viessem de fora, de cima  e de baixo, constituindo a sua espécie de acontecimentos e coriscos; que é talvez ele próprio um temporal, caminhando prenhe de novos raios; um homem fatal, em torno do qual há sempre murmúrio, bramido, rompimento, inquietude" "(...) Todo pensador profundo tem mais receio de ser compreendido que de ser mal compreendido" "Toda filosofia também esconde uma filosofia, toda opinião é também um esconderijo, toda palavra também uma máscara" "Não basta utilizar as mesmas palavras para compreendermos uns aos outros; é preciso utilizar as mesmas palavras para a mesma espécie de vivências interiores, é preciso, enfim, ter a experiência em comum com o outro (...)" "(...) todos grandes descobridores no terreno do sublime (...) com misteriosos acessos a tudo que sedu

Instrução em Filosofia Clínica*

A Filosofia Clínica é um tema amplo a ponto de seu próprio sistematizador, Lúcio Packter, falar que mesmo uma enciclopédia seria um meio limitado para abarcá-lo. Tal tarefa, dizia ele, ficaria a cargo das gerações vindouras de estudiosos desta nova abordagem terapêutica. Em razão desta amplitude, tudo o que se disser sobre a Filosofia Clínica tocará apenas em breves partes do todo que a constitui. Dito isto, pretendo apontar orientações de estudos para os iniciantes a fim de que, ao exercer o trabalho de consultório ou usar seus princípios para as mais diversas áreas profissionais, tenham meios de obter resultados consistentes. Essas orientações não são imposições. Como trabalhamos com a questão da singularidade, cada aspecto apresentado deve ser acolhido, adaptado ou até recusado à medida que encontrar ou não consonâncias em sua Estrutura de Pensamento. A primeira orientação diz respeito ao domínio teórico da abordagem. Embora a prática seja mais complexa do que a exposição didática

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"As palavras, ademais, são 'instrumentos de atos úteis', de modo que nomear o real é cobri-lo, velá-lo com familiaridades, transpô-lo assim à condição daquilo que Hegel chamava: o demasiadamente conhecido , que passa despercebido. Para rasgar os véus e trocar a quietude opaca do saber pelo espanto do não-saber é preciso um 'holocausto das palavras', esse holocausto que a poesia realiza de saída" "(...) o olho prefigura, seleciona aquilo que vê. E esse olho não está dado de saída: ele tem de inventar sua maneira de ver; por isso determina-se a priori e por uma livre escolha o que se vê. As épocas vazias são aquelas que escolhem se ver com olhos já inventados. Elas não podem fazer mais que refinar as descobertas das outras; pois aquele que traz o olho traz ao mesmo tempo a coisa viva" "(...) Se a palavra parece sujeito quando falo, é porque me insinuo na palavra. Nesse sentido, o martelo ou a colher também são sujeitos quando os uso e não se dist
Sonhadores*   “Como se pudéssemos erguer um só alento ante o término do alento.”                         Paul Auster (poema No fim do Verão)   Gosto de brincar com as palavras, como se meu pensamento voasse da terra ao mais distante lugar, que nem o sentimento mais fraco alcançaria, pensar frágil na força do voar, como se lá pudesse penetrar palavras singrando o voo entre água e céu, um veleiro a sair da profundeza das águas escuras, aos poucos muda a cor, o límpido do pensar, a água se misturar com o olhar que sobe na distância a perder de vista. Como se juntasse o mar com o céu, o veleiro de um lado ao outro, serpenteando o tom de cores e textos, que ao subir sem jamais retornar à terra. No fundo o dia se pondo, o vermelho do sol, como o mar a transmutar no deserto ardente, na trajetória das fugas, no inventar dos lugares, existirá um pensamento eclíptico em consonância dos dias com o corpo. O fogo no coração, os olhos líquidos rumo ao escuro das águas. A noite alcança

Fragmentos Filosóficos, Literários, Devaneios, e algo mais*

"(...) Somos quem designa o lugar da aventura, o lugar da crise, o lugar propício para alargar o horizonte da imaginação, o lugar onde o pensamento, quando desafiado, produz respostas para alguns dos nossos questionamentos"  "Sou, naturalmente, o que penso, mas melhor me materializo ao admitir ser o que escrevo. A escritura é o discurso visível da minha alma (...) Como escritora, origino-me da fantasia do meu tempo e diariamente regresso ao seu chão (...) E apesar do verbo subscrever intenções, sobressaltos, musicalidade, igualmente fomenta a desordem com que se cumpre, aliás, a rota da invenção" "(...) a quimera tem como medida o exato tamanho da realidade que representa"  "Varrida por semelhante sopro inovador, a língua passava a ser dotada de dobradiças, de suspiros africanos. Exercitava-se no uso frequente do gerúndio, cuja precípua função era de dinamizar e ativar a realidade"  "Repertório existencial (...) tudo que diz respeito aos que

Reflexões de Um Filósofo Clínico*

Cuidar também é deixar em paz e querer o melhor como consequência seja da nossa própria decisão de partir ou de ficar onde quer que queiramos ser e estar. Mas talvez seja mesmo cada vez mais urgente e libertador compreender que para deixar em paz é preciso estar paz, uma vez que só podemos dar o que já temos primeiro por dentro, depois por fora. É por isso que para uns é tão fácil se doar ou doar coisas necessárias enquanto para outros tantos e não raro, dar ou partilhar soa como um delírio inviável e praticamente, uma ofensa inaceitável. Vivemos tempos altamente favoráveis para o autoconhecimento e para galgarmos vitórias traduzidas em desapegos de ilusões tão nocivas e desnecessárias de fato. São esses pontos nefrálgicos e fundamentais na atualidade para que possamos finalmente exercer em coletividade empatia, ecologia, solidariedade e, sobretudo, amor, ou melhor, literalmente viver a nossa única forma de salvação. Portanto, eu peço, por favor, que fique em paz e me d

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"Naquele momento compreendi o que já sabia: o que podemos imaginar sempre existe, em outra escala, em outro tempo, nítido e distante, como num sonho" "Um mapa é uma síntese da realidade, um espelho que nos guia na confusão da vida. É preciso saber ler entre as linhas para encontrar o caminho. Se a pessoa estuda o mapa do lugar onde mora, primeiro tem de encontrar o lugar em que está ao olhar o mapa (...)" "(...) o romance, com Joyce e Cervantes em primeiro lugar, procura seus temas na realidade, mas encontra nos sonhos um modo de ler. Essa leitura noturna define um tipo particular de leitor, o visionário, o que lê para saber como viver" "Sempre existe algo de inquietante, ao mesmo tempo estranho e familiar, na imagem concentrada de alguém que lê, uma misteriosa intensidade que a literatura fixou inúmeras vezes. O sujeito se isolou, parece separado do real (...) A vida não se detém, diria Kafka, somente se separa daquele que lê, segue seu curso. Há um

Especulações sobre loucura alguma*

"Não sabia estar em transição ? Desejava algo melhor do que transformar-se ? Se algum ato seu for doentio, lembre-se de que a doença é o meio de que o organismo se serve para se libertar de um corpo estranho"                                                                                                                           Rainer Maria Rilke    Uma fenomenologia da loucura costuma apresentar-se a partir de saberes pré-históricos da alma humana. Um lugar privilegiado onde as origens primitivas vão (re) significando-se, a partir do ser em instantes de não-ser. Por essas crises anuncia-se a hora de mudar, constituindo tempos e momentos de desconstrução acelerada dos antigos endereços existenciais.  Decifrar os enigmas dessa natureza de aparência incompreensível escapa de forma inteligente às tentativas de diagnóstico da tradição. Subjetividades em processo de mostrar e esconder, revelando antíteses com contextos adversos a sua expressivi

Fragmentos Filosóficos, Literários, Devaneios, e algo mais*

"(...) Depois do trabalho, Kafka saía para caminhar pelas ruas da velha Praga (...) Era só mais um solitário entre tantos. Em meio à multidão, gozava o prazer do anonimato e da indiferença, que lhe davam a sensação, valosa, de desaparecer. Quem levaria a sério aquele homem reservado e esquisito, que parecia sempre em fuga ?" "Toda literatura é estrangeira, mesmo para aquele que escreve. Não se pode dizer de onde ela vem, e nem mesmo o que ela pretende de quem escreve" "Língua pessoal, intransferível, que só o próprio escritor pode decifrar - e a literatura é essa decifração, ou a esperança de decifração"    "A literatura não tem chaves (se oferece chaves, não é literatura), nem traz soluções (se oferece soluções, é anti literatura). Apresenta, apenas, hipóteses provisórias, fantasias que nos ajudam a experimentar o mundo, a suportá-lo, e a dele tirar algum sentido e alguns momentos de prazer (...) Em um mundo despedaçado, ela terá, en

Você não vai entender...*

Essa foi a frase que ouvi certa vez de uma amiga. Ela tentava contar algo de suas experiências religiosas. Mas, sabia que eu não havia construído minhas crenças ou convicções nos mesmos pressupostos dela. Isso a dificultava se abrir para mim. Havia um equívoco na convicção dela. A questão não era eu não entender. Ninguém entenderia como ela. Era a experiência dela. Tudo o que conseguimos, mesmo confessando as mesmas crenças e acreditando ter experiências semelhantes, é algo aproximativo. Não há exatidão quando a questão é entender uma experiência subjetiva. Se é que há uma experiência "objetiva". E para compreender de maneira aproximada, era necessário que ela me trouxesse mais informação possível. Eu jamais faria a experiência dela. Mas, isso não impediria de tentar entender como foi para ela tal experiência. O ponto central é justamente esse: o diálogo, a abertura e a escuta nos permite compreender um pouco mais o outro. Jamais faremos a mesma experiência. E

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais

(...) O mundo só é miserável para aqueles que nele projetam sua própria miséria (...)" "É preciso saber resistir ao que é superficialmente claro, imediatamente compreensível porque totalmente racional" "Cada coisa sempre é, mais ou menos, outra coisa em relação àquilo que parece ser, ou aquilo que se quer que ela seja" "O paradoxo é a marca essencial desses momentos cruciais, nos quais o que está em estado nascente tem muita dificuldade para se afirmar diante dos valores estabelecidos" "(...) O andarilho (...) Ele violenta, por sua própria situação, a ordem estabelecida, e lembra o valor da ação de pôr-se a caminho. Assim, não basta analisá-lo, a partir de categoriais psicológicas, como um indivíduo agitado ou desequilibrado, mas certamente como a expressão de uma constante antropológica: a da pulsão do pioneiro, que está sempre à frente na procura do Eldorado (...)"  "(...) o viajante apresenta um risco moral i

A escritora de San Fernando*

“A atmosfera dessa amizade pura é o silêncio, mais puro que a palavra. Porque falamos para os outros, mas nos calamos para nós mesmos.”                                                                           Marcel Proust Existem milhares de faróis espalhados, milhões imaginados por pessoas que gostariam de seguir viagem, dos que gostariam de aportar em terra segura, dos que fogem dos perigos dos homens, dos que querem se proteger das tempestades, dos que desejam uma luz para orientar seus projetos, seus navios. Conheci uma jovem “escritora”, ela fez questão de se autointitular iniciante de escritora, de alma já poeta, desde sempre, e que desde o tempo de escola escrevia, vivia a poesia, leitora assídua de livros de poesia. Foi em uma venda dentro do mercado San Fernando em Madri. Estávamos lá para provar tapas e tomar um vinho branco fresco, era um sábado quente, pleno outono, mas o dia estava de verão. Perguntou de onde éramos, disse, Brasil, ela sorriu, disse que

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"(...) Daí a função de uma arte aberta como metáfora epistemológica: num mundo em que a descontinuidade dos fenômenos pôs em crise a possibilidade de uma imagem unitária e definitiva, esta sugere um modo de ver aquilo que se vive, e vendo-o, aceitá-lo, integrá-lo em nossa sensibilidade. Uma obra aberta enfrenta plenamente a tarefa de oferecer uma imagem da descontinuidade. Ela se coloca como mediadora entre a abstrata categoria da metodologia científica e a matéria viva de nossa sensibilidade; quase como uma espécie de esquema transcendental que nos permite compreender novos aspectos do mundo" "A abertura, por seu lado, é garantia de um tipo de fruição particularmente rico e surpreendente, que nossa civilização procura alcançar como valor dos mais preciosos, pois todos os dados de nossa cultura nos induzem a conceber, sentir, e portanto ver, o mundo segundo a categoria da possibilidade" "Obra Aberta como proposta de um campo de possibilidades inter

O Guri do Leite*

Dizem que amor feliz não faz boa literatura. Da mesma forma, são os casos mais sangrentos e vis que costumam chamar a atenção dos leitores. Traição e morte são elementos muito comuns nas grandes histórias literárias. Explorar o lado sombrio do ser humano seria o segredo do sucesso? Então, na minha saga de candidata a escritora procurando o personagem perfeito, pensei em criar um mau, bem ruim. Um assassino, talvez. Ladrão… Alguém que rouba milhões. Roubaria do governo, para tornar o crime ainda mais repugnante, porque evaporaria dinheiro da saúde, da educação… Estupro é sempre algo que revolta, mas eu precisaria de um estômago mais forte para explorá-lo em uma narrativa ficcional… Em meio a uma pandemia, isolamento social, mortes e um tanto de outras tragédias que já existem na vida real, pensei então em desafiar o senso comum. Que tal criar uma história fofa? Um desenrolar com final feliz, que levasse o leitor, na última página, a um longo suspiro e ao pensamento de que ah

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