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Livro dos Dias*

“...a recordação de certa imagem não é senão saudade de certo instante...”   Marcel Proust   O que resta desses dias, do ano que se extingue, como se simplesmente pudéssemos abrir mão da memória e deixar que o esquecimento decrete o fim? O que ainda existe para terminar, ainda é uma música a tocar, um dia mais, só mais alguns minutos para ir ao próximo ano. De ir acima no voo mais distante, depois voltar lá do alto para as profundezas, num mergulho de resgate, de captar o que de bom está no que já está para acabar, jogar tudo dentro da alma, depois voltar do fundo, na bagagem o peso, a leveza no voo para novamente subir ao próximo dia. A noite será testemunha, o tempo ficou um pouco nebuloso, logo o sol voltará a brilhar, e voar ao desconhecido foi o que mais se fez durante esse tempo todo, entre sonhos, a viagem é poder sentir o som de tudo, do silêncio, o canto do pássaro que acorda junto do corpo que continua emergindo das águas ao alto, bem longe do alcance do mal que todo es

Bom dia! Vai acontecer! Inscrições abertas.

 

Um privilégio na filosofia clínica*

  Considero-me um privilegiado por conhecer todas as etapas da filosofia clínica. Cada uma das experiências complementa meu aprofundamento no aprendizado. A primeira etapa ocorre antes mesmo de conhecer a filosofia clínica. Trata-se da formação em filosofia: a graduação. Etapa em que conhecemos um pouco de toda tradição filosófica de dois milênios e meio. A etapa seguinte é a formação teórica em filosofia clínica. Refiro-me à especialização (reconhecida ou não pelo MEC). Nesse período, aprendemos os conteúdos e as etapas do método dessa abordagem terapêutica fundamentada na filosofia. A seguir, há o pré-estágio ou a clínica didática. Etapa na qual fazemos nossa clínica pessoal, somos atendidos e cuidamos de nossa qualidade de vida como um todo. Isso costuma ajudar bastante quando se trabalha posteriormente como terapeuta. Após o pré-estágio, seguimos para o estágio supervisionado. Passamos a atender pessoas segundo o método da filosofia clínica, gravando as sessões, transcreven

Diagnóstico*

Se você às vezes se sente impotente para alcançar o que deseja, incapaz de seguir os seus sonhos, infeliz num mundo em que a felicidade é obrigatória;   Se você às vezes olha para o lado e vê tanta gente mais inteligente, tanta gente com mais sucesso, tanta gente mais bonita, interessante e divertida do que você; Se você às vezes duvida da sua própria história, não tem certeza de quase nada, pensa que é a pessoa mais estranha do mundo; Se você às vezes tem tiques, manias, maluquices, e alimenta hobbies inúteis, paixões, vícios; Se você às vezes faz tudo ao contrário, e age impulsivamente quando deveria ter calma, e nada faz quando a regra é agir; Se você às vezes alterna momentos de alegria com momentos de dor: num dia tudo está lindo como numa comédia romântica de Hollywood, no outro você chora de repente sem nem saber o porquê; Se você às vezes escuta vozes discordantes na sua cabeça, tem afetos divergentes no seu coração, tem desejos contraditórios no seu corpo; Se voc

Tempo de espera*

Certa vez, dez anos atrás, fui contratado por uma editora para escrever um livro sobre salas de espera de consultórios de saúde. Sendo médico, filósofo e escritor, acreditaram que eu teria plenas condições de realizar esta missão. Trabalhei com afinco e prazer por vários meses. Iniciei falando que nem tudo na vida pode acontecer exatamente no momento desejado. Algumas situações exigem esperar. Esperar o nascimento de um filho, a diplomação na faculdade, a cura de uma doença, o pagamento no final do mês, o sinal de trânsito abrir, a tempestade acalmar, a pandemia acabar, a raiva passar. Depois expliquei os motivos de atraso para o início de alguns espetáculos teatrais, por que algumas pessoas reclamam e outras se alegram pelo fato de esperar, por que estamos cada dia menos pacientes, por que e para que se formam filas em supermercados, por que determinados profissionais atrasam deliberadamente suas consultas. Fui adiante nas considerações filosóficas comentando que não estamos aco

Bom dia! Hoje é dia! Bem vindos!!

 

Escuta e reflexões sobre raciocínio desestruturado e amor*

Visto que a historicidade é fator determinante da clínica filosófica, o que se faz diante de um partilhante que apresenta o tópico raciocínio desestruturado?   A primeira questão a ser respondida é: o que é estrutura? Deverá ser o que é lógico? Se olharmos pelas lentes da Lógica Formal, onde 2+2 é sempre igual a 4, podemos dizer que há uma estrutura. Mas o que acontece quando o partilhante nos diz que “laranja” + ”bola” é igual a “carro”?   Do professor Hélio Strassburger, que aborda a lógica da diferença, pude extrair uma pérola filosófica trazida por um de seus partilhantes da clínica psiquiátrica, cujo tópico raciocínio é tido como desestruturado. Segue-se então:   “Hélio, o mundo lá fora é pequeno demais para mim!”   O que é isso senão uma demonstração clara do que é a Lógica da singularidade ou Lógica Modal? Poderia uma pessoa que soma “laranja” com “bola” resultando “carro” caber neste mundo lógico e formal? Seguido a esse primeiro momento de reflexão, o próximo passo é s

Você já ouviu falar ? Uma escola diferenciada!

 

A estética dos intervalos*

“A verdade que se abre na obra nunca é atestável nem deduzível a partir do que até então havia. Pelo contrário, o que até então havia é que é refutado pela obra, na sua realidade exclusiva”                   Martin Heidegger              A fluência discursiva da ficção aprecia o lugar qualquer de todo lugar para justificar suas origens. Em algum ponto da interseção com a realidade empírica, sua atuação prolifera entremeios de uma zona incrível. Nesse extraordinário idioma é possível localizar várias fontes - de saber -, devaneios de reinvenção. Contradição bem-vinda a inaugurar pontos de vista, até então, cristalizados num passado sem sentido. A pressa em querer consertar desajustes pode manter tudo como está. O codinome incomum dessas irregularidades criativas tenta descrever o território por onde a não palavra se desloca, num processo a vislumbrar contornos invisíveis ao raciocínio das convenções.     A pessoa condenada a viver em intervalos existenciais, em que as crises s

A Medicina e os remédios*

Querido leitor, que você esteja bem. Hipócrates, filósofo grego, foi membro de uma família que, durante várias gerações, praticara a ciência da saúde, por isso é considerado o pai da medicina moderna. Inclusive, é atribuída a ele a frase “que seu remédio seja o seu alimento e que seu alimento seja seu remédio”. Quando falamos em remédio, você que lê este artigo, provavelmente deve ter lembrado daqueles que compramos nas farmácias. Mas remédio não é só isso. Algumas pessoas, ao passar na casa da mãe e sentem aquele cheirinho de bolacha, de pão que vem do forno a lenha, este cheiro pode ser um saudoso remédio. Já para outras, o simples fato de ouvirem uma música que tem a ver com sua historicidade, pode estar se remediando. Sim! Se estas músicas entram em seus corações acalmando, então se transformou num remédio. Tem um conhecido meu que sente aquele cheiro adocicado do estrume de gado e logo faz um deslocamento à gostosa infância rural, hoje vivenciada na selva de pedra. Aquele ch

Sobre o livro Introdução à Filosofia Clínica*

CARUZO, M. A. Introdução à Filosofia Clínica . Petrópolis, RJ: Vozes, 2021. Coleção Filosofia Clínica.   No livro Introdução à Filosofia Clínica, o autor Miguel Angelo Caruzo parece apresentá-la fazendo Filosofia Clínica. Isto é: o fato de ser uma obra que dispõe da fundamentação teórica desta área do saber humano entrelaçando-a, de maneira fluida, com os passos do próprio Método que a caracteriza – Exames Categoriais, Estrutura de Pensamento e Submodos – denotou esta impressão do caminho da clínica filosófica. Acrescentando a isto exemplos de casos clínicos, gerou a leveza própria de um panorama; tanto quanto sua organização didática e sua linguagem clara e concisa viabilizaram a compreensão de uma margem possível para o público-alvo de leigos interessados a estudantes da área, uma vez que colocou as questões clínico-filosóficas sem relaxamento e sem excesso de rigor acadêmico, com responsabilidade e segurança, sendo uma proveitosa caminhada do leitor na Filosofia Clínica e uma út

As dores e suas réguas*

  As recepções de hospitais costumam exibir um cartaz que informa o nível de prioridade no atendimento aos pacientes. É uma espécie de tabela de risco, com cinco níveis, desde ‘emergência’ até ‘pouco urgente’.  O atendimento imediato, por exemplo, contempla pacientes com parada cardiorrespiratória, em estado de choque ou com perfurações e hemorragia. O nível mais brando de risco (não urgente) contempla pacientes com dor leve, escoriações e pode levar horas e horas até um enfermeiro ou médico se ocupar do problema… Já complicações de saúde como crise de asma, dor de cabeça intensa, taquicardia e dor abdominal correspondem aos níveis intermediários: muito urgente, pouco urgente e urgente. Já pensou se as dores e desconfortos emocionais também pudessem ser medidos com uma régua tão objetiva? Dor de amor: emergência. Dor de saudade: muito urgente. Dor de decepção: urgente. Dor de tédio: pouco urgente. Dor de reprovação: pouco urgente. Outro sujeito poderia apresentar tabela diversa. Dor

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