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Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(..) não há propriamente intermundo, cada um habita apenas o seu, vê unicamente segundo seu ponto de vista e entra no ser apenas por meio da sua situação; mas porque não é nada e sua relação com sua situação e seu corpo é uma relação de ser, sua situação, seu corpo, seus pensamentos não interpõem uma tela entre ele e o mundo; são, ao contrário, o veículo de uma relação com o ser, na qual terceiros podem intervir" "(...) este mundo que não sou eu, e ao qual me apego tão intensamente como a mim mesmo, não passa, em certo sentido, do prolongamento de meu corpo; tenho razões para dizer que eu sou o mundo" "(...) compreender é traduzir em significações disponíveis um sentido inicialmente cativo na coisa e no mundo" "A este saber que eu sou, o mundo não pode apresentar-se a não ser oferecendo-lhe um sentido, a não ser sob a forma de pensamento do mundo. O segredo do mundo que procuramos é preciso, necessariamente, que esteja contido em meu

Manter-se tranquilo em meio à turbulência*

Existem circunstâncias que podem ser controladas e outras que não - já diziam os filósofos estoicos, dentre eles Sêneca e Epicuro. O conselho, proferido há mais de dois mil anos e muito sábio até os dias atuais, resumia-se basicamente a nos atermos somente aos aspectos controláveis da vida se quiséssemos ter um mínimo de bem-estar. Fenômenos da natureza, atitudes de outras pessoas e trânsito são apenas alguns exemplos do que não controlamos. Por mais que tenhamos força do pensamento, tecnologia e boa vontade para fazer o impossível, esses são elementos que não conseguimos manipular ao sabor de nossos desejos. Por outro lado, existem algumas coisas que conseguimos manter num nível razoável de manejo pessoal. Nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossas ações são alguns exemplos. Como reagimos aos fatos, portanto, está inteiramente sob o nosso controle, certo? Mais ou menos. Algumas teorias antigas dizem que temos somente 5% de livre arbítrio. Todo restante seria respo

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(..) uma influência anônima, assim como o sangue dos antepassados se movimenta em nós constantemente, misturando-se ao nosso e formando com ele a coisa única e irrepetível que somos em cada curva de nossa vida" "Não sabia estar em transição ? Desejava algo melhor do que transformar-se ? Se algum ato seu for doentio, lembre-se de que a doença é o meio de que o organismo se serve para se libertar de um corpo estranho" "Estamos colocados no meio da vida como no elemento que mais nos convém. Também, em consequência de uma adaptação milenar, tornamo-nos tão parecidos com ela que, graças a um feliz mimetismo, se permanecermos calados, quase não poderemos ser distinguidos de tudo o que nos rodeia" "(...) Há de se reconhecer, aos poucos, que aquilo a que chamamos destino sai de dentro dos homens em vez de entrar neles" "Numa ideia criadora revivem mil noites de amor esquecidas que a enchem de altivez e altitude" "

Sobre a Arte de Redigir Silêncios***

Uma fenomenologia da espera descreve seu vocabulário pela quimera a se mostrar. A palavra refugiada na estrutura do silêncio parece dizer mais. Seu instante fugaz aponta entrelinhas por um esboço. Seu viés de anonimato multiplica-se nos enredos da expressão absurda. A suspeita de uma razão vigiada persegue eventos pelos contornos da ficção. Talvez a novidade, como um deslize da ideia não declarada, mostre-se nas páginas em branco. Esses episódios se sucedem em pretextos para um sentido à margem do sentido.  Os manuscritos do inesperado podem ser anúncios ao cogitar invisibilidades. Ao interrogar esses indizíveis esconderijos das pérolas imperfeitas, um olhar perscruta a geografia dos exílios. Espaços desacreditados se protegem em códigos próprios. Os rituais da linguagem singular apreciam sua redescoberta. Espaços calados a exibir sua diversidade em seus rastros.  Uma interrogação se desdobra para além das respostas conhecidas. A brevíssima divisão entre dizer e não di

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"Todos nós sabemos que não são apenas os poetas, os loucos, os selvagens e as crianças que apreendem o mundo num ato de participação irredutível ao raciocínio lógico; cada vez que sonham, se apaixonam ou comparecem ás suas cerimônias profissionais, cívicas ou políticas, o resto dos homens 'participa', volta, forma parte dessa vasta society of life que segundo Cassirer é a origem das crenças mágicas" "O surrealismo se propõe a fazer um mundo poético, fundar uma sociedade em que o lugar central de Deus ou da razão seja ocupado pela inspiração" "(...) O sujeito também desaparece: o poeta se transforma em poema, lugar de encontro entre duas palavras ou duas realidades" "A poesia nos abre a possibilidade de ser que decorre de todo nascer; recria o homem e o faz assumir sua verdadeira condição, que não é a alternativa vida ou morte, mas uma totalidade: vida e morte num único instante de incandescência" "A poesia é met

Instrução em Filosofia Clínica*

A Filosofia Clínica é um tema amplo a ponto de seu próprio sistematizador, Lúcio Packter, falar que mesmo uma enciclopédia seria um meio limitado para abarcá-lo. Tal tarefa, dizia ele, ficaria a cargo das gerações vindouras de estudiosos desta nova abordagem terapêutica. Em razão desta amplitude, tudo o que se disser sobre a Filosofia Clínica tocará apenas em breves partes do todo que a constitui. Dito isto, pretendo apontar orientações de estudos para os iniciantes a fim de que, ao exercer o trabalho de consultório ou usar seus princípios para as mais diversas áreas profissionais, tenham meios de obter resultados consistentes. Essas orientações não são imposições. Como trabalhamos com a questão da singularidade, cada aspecto apresentado deve ser acolhido, adaptado ou até recusado à medida que encontrar ou não consonâncias em sua Estrutura de Pensamento. A primeira orientação diz respeito ao domínio teórico da abordagem. Embora a prática seja mais complexa do que a exposiçã

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"(...) com que largos intervalos aparecem as boas obras, e como são raras as publicações seladas por um talento verdadeiro (...) Estabelecei a crítica, mas a crítica fecunda, e não a estéril, que nos aborrece e nos mata, que não reflete nem discute, que abate por capricho ou levanta por vaidade; estabelecei a crítica pensadora, sincera, perseverante, elevada" "Para realizar tão multiplicadas obrigações, compreendo eu que não basta uma leitura superficial dos autores, nem a simples reprodução das impressões de um momento" "Não lhe é dado defender nem os seus interesses pessoais, nem os alheios, mas somente a sua convicção, e a sua convicção, deve formar-se tão pura e tão alta, que não sofra a ação das circunstâncias externas. Pouco lhe deve importar as simpatias ou antipatias dos outros" "Não se contesta às almas poéticas certa sensibilidade fora do comum e mais exposta por isso ao choque das paixões humanas e das contr

Anotações e Reflexões de um Pensador*

Amigos, alguém me pergunta qual é, afinal, a minha posição política - já que não apóio o Bolsonaro, não apóio o Lula e muito menos sou "isentão", o que quer que isso signifique. A minha resposta não é simples. Não posso me declarar, sem reservas, simplesmente "de esquerda". Nem "de direita". E muito menos "de centro". Se for necessário classificar a minha situação política em poucas palavras, a minha resposta será: pertenço ao campo crítico radical. Caso "pertencente ao campo crítico radical" seja uma designação demasiadamente genérica, posso desdobrá-la, resumidamente, nas seguintes posições a respeito da relação do indivíduo com o Estado. * * * Em primeiro lugar, concordo com Schumpeter: no modelo de democracia do século XX, os indivíduos comuns são simplesmente consumidores de produtos políticos prontos sob a forma de programas-propaganda pré-embalados e dispostos no mercado eleitoral por elites que se interessam

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"Suponho que haja tantos credos, tantas religiões, quantos são os poetas" "Volto àquela tarde sul americana já antiga e vejo meu pai. E o vejo nesse momento; e ouço sua voz dizendo palavras que eu não compreendia, e no entanto sentia" "(...) No caso das Mil e uma noites, precisamos pensar que o livro é extenso, que a história prossegue, que talvez nunca cheguemos ao fim. Talvez nunca tenhamos percorrido todas as mil e uma noites, mas o fato de estarem lá empresta amplitude à coisa toda. Sabemos que podemos mergulhar mais fundo, que podemos continuar vagando ao léu, e que as maravilhas, os mágicos, as três belas irmãs, etc.. estarão sempre ali a nossa espera" "Acho, porém, que o fato de termos longos catálogos de palavras e explicações nos faz pensar que as explicações esgotam as palavras, e que qualquer uma dessas moedas, dessas palavras, pode ser trocada por outra" "(...) Quando penso em amigos meus tão caros como Dom Q

História(s) humanas 2*

“O que é explicado como ideia e não como definição.”                                Werner Jaeger Coisas do mundo existem, digo, as mais preciosas e estranhas estão aqui no Brasil. Vivemos no país digno de ficção, um prato cheio para a literatura. Alguém escreveu que este país está virando um hospício. Estou sentindo em mim pequenas transformações no humor, na paciência em lidar com os objetos, com imaginário e os mais palpáveis tipos de estranhamentos. Como ligar o mundo concreto, aquela construção da consciência de Herder, em que o acolhimento histórico ligava a vida ao futuro? Estamos no tempo das versões e superações dos apóstolos da decadência dos valores modernos, a história já não é um caminho inexorável, o retorno é uma versão idealizada do que já foi o concreto estar no mundo. O mundo parece estar novamente no dilema entre o domínio das coisas, de um lado, no obscurantismo do que foi dado, e o retorno cego ao princípio das leis monoteístas sobre a vida. O que

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"O poeta não se cansa de percorrer a Lapa, o velho bairro boêmio, em cujos bares e ruelas os intelectuais cariocas saboreiam versos e pensamentos (...) A Lapa, com suas ruas estreitas, seu casario antigo, sua paisagem popular, é o bairro ideal para o poeta andarilho, que acorda as aves noturnas, desperta os bêbados nos pórticos e atiça os cães sonâmbulos" "O poeta se torna um frequentador habitual do Café Vermelhinho, no centro do Rio, em cujas meses se aproxima dos amigos que se tornarão inseparáveis nesse tempo, como o cronista Rubem Braga, o jornalista Moacyr Werneck de Castro, o arquiteto Oscar Niemeyer e o arquiteto Carlos Leão" "Nas mesas agitadas do Vermelhinho, Vinícius descobre aos poucos que, depois de alguns chopes, a máscara de poeta sério que Drummond veste como um uniforme social sempre 'esgarça-se num riso silencioso, que lhe vem de uma paisagem casta e longínqua na alma, e sua cabeça baixa se levanta, suas mãos mortas se reencar

A serpente que nos seduz/conduz/traduz*

      Eva era uma mulher metódica e compulsiva, para ela as coisas deveriam ser pretas ou brancas, oito ou oitenta. Não havia meio termo. As pessoas eram solteiras ou casadas, amigos ou namorados. Ignorava situações como “ficante”, “peguete” ou “amizade colorida”, que seriam representadas pela cor cinza. Para ela, cinza era uma mistura de cores, uma situação indefinida, uma transição para o autêntico. Nada a ver. As situações da vida precisavam ter cor definida, rótulo e se possível, carimbo de autenticação. Preto ou branco, solteiro ou casado, amor ou nada.       Conheceu Adão em uma festa, trocaram telefones, conversaram bastante durante três semanas, sentiram vontade de se ver mais uma vez e marcaram um encontro para a sexta feira seguinte. Gostaram tanto um do outro, que combinaram   sair de novo no sábado. No domingo, beijaram-se. Ao se despedir, no portão de casa, Eva perguntou se estavam namorando, pois para ela, amigos não se beijam. Preto era sinônimo de amigo e branco

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