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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*


"Balzac aparecia raramente no mundo real, que estava situado fora do seu; estava encerrado na sua alucinação, como numa prisão; estava colado como um mártir à sua banca de trabalho, e quando empreendia uma dessas excursões fugitivas ao mundo da realidade, quando ia discutir com seu editor, levar suas provas ao prelo, comer em casa de um amigo ou percorrer as lojas de brinquedos de Paris, o que ele de lá trazia, eram sempre menos informações do que a confirmação daquilo que sabia"

"Ser o meteorologista das correntes atmosféricas da sociedade, o matemático da vontade, o químico das paixões, o geólogo das formas primitivas das nações - em suma, um sábio múltiplo que sonda e ausculta, com toda sorte de aparelhos, o corpo de sua época (...) um pintor das paisagens contemporâneas e um soldado das ideias do seu século (...)"

"Balzac não deve ser julgado, segundo um dos seus livros tomado em particular, mas, de acordo com o conjunto, deve ser considerado como uma paisagem, com a sua montanha e o seu vale, seu horizonte ilimitado, suas quebradas traiçoeiras e suas rápidas torrentes (...) a concepção do romance como enciclopédia do mundo interior"

"(...) Quase sempre, a característica do gênio, como encarnação da alma de uma tradição nova, é combater a do passado e declarar guerra à geração fundante na sua qualidade de anunciador de uma raça nova. Um gênio e sua época são como que dois mundos que permutam entre si suas luzes e suas sombras"

"Dickens (...) escolheu seus heróis, seus destinos, nas ruas estreitas dos subúrbios, por onde passaram com indiferença os outros poetas (...)"

"É horrível pensar que o maior escritor russo (Dostoiewsky), o gênio de sua geração, o mensageiro do infinito, tenha vagado sem recursos, sem lar, sem rumo, de país em país (...) A uma légua dali em Naumburg, vive Frederico Nietzsche, o único que o teria podido compreender (...)"

"Dostoiewsky (...) Quer ser um homem forte. Sua moral não aspira ao classicismo, à regra, mas à intensidade. Bem viver, na sua opinião, é viver fortemente, inteiramente, no bem e no mal, sob as suas mais violentas e embriagadoras formas. Nunca Dostoiewsky procurou o método, mas a plenitude"

"Não é na tranquilidade que procura a perfeição e o fim. Visa, ao contrário, uma vida mais intensa na própria dor. Leva os seus sentimentos, encaminhando-os cada vez mais fortemente para o apogeu. Recusa-se a cristalizar-se como Goethe, a refletir sob todas as suas faces, a mobilidade do caos. Quer ser uma chama se devorando a si mesma, para todo dia ressuscitar, para renovar-se eternamente"

"Sendo ele mesmo vulcânico, seus heróis são vulcânicos. Porque, em última análise, o homem procede sempre do Deus que o criou (...) Sua sedimentação ainda não foi feita. Seus traços ainda não foram adelgaçados. São eternamente inacabados e, por isso, duas vezes mais vivos porque o homem acabado forma um todo e Dostoiewsky tende para o infinito"

"(...) os personagens de Dostoiewsky (...) Não param em nenhum lugar, nem mesmo diante da felicidade. Querem continuar o seu caminho; tem essa espécie de alma superior (...) É-lhes indiferente serem felizes, estarem contentes (...) Não aspiram a nada do que toda a humanidade quer (...) nada querem deste mundo (...) São homens de reinício (...) querem tudo, o bem e o mal, o que queima e o que gela, o que está longe e o que está perto; não tem medida; excedem os limites" 

*Stefan Zweig in "Os construtores do mundo". Ed. Guanabara. RJ. 1946. 

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