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O segredo das palavras*



A espécie de texto que se tem em mente é uma singularidade. Sua estrutura pressupõe a conjugação, nem sempre linear, entre o horizonte discursivo do autor e sua competência em transgredir as páginas conhecidas. Um peregrino das palavras em busca da fonte onde nascem as intencionalidades. 
  
Com o vocabulário comum, em alguns casos, será possível realizar aproximações, noutros sequer tangenciar as origens da expressividade: os exílios, desvãos, derivações. Ao transcrever esses conteúdos, na parcialidade de um texto qualquer, é possível entender porque seus segredos não são decifrados por inteiro.

Ao se dar o processo da escritura, sua concepção descreve algo mais, tendo como ponto de partida uma mente repleta de vírgulas, devaneios criativos, irreflexões. Esses escritos nem sempre serão compreendidos a primeira vista. Seus deslizes, lacunas e desestruturas anunciam algo por vir. São vestígios daquilo que não se consegue dizer num primeiro instante. Uma estrutura assim pensada mescla sonho e realidade em inéditos discursos existenciais. Há que se ter uma integridade metodológica ou aptidão para decifrar o chão de onde partiu e se desenvolveu.

Essa condição do autor pode reapresentar eventos marginais, desconhecidos, esquecidos, em sua própria estrutura de pensamento. Os inusitados usos da palavra ampliam as fronteiras do que se conhece. Uma expressão utilizada num contexto, quando afastada de suas origens, ao ser ela mesma já é outra.  

Escrever é conjurar o vocabulário conhecido noutras direções. Um saber com sabor de terra nova acolhe as mensagens lançadas ao mar, nas garrafas dos náufragos. Sua condição, ao ampliar um foco de luz errante, emancipa territórios, significa a linguagem dos recomeços em cada um. Sua alternância em métodos de leitura (analítica, fenomenológica, estruturalista...), evidencia um conhecimento extraordinário, assim, dependendo do seu uso e atribuições, é possível tornar legível esse universo de exceção de onde o texto partiu.

O segredo das palavras reside na rasura da página em branco. Quando algo se escreve, atualiza o devir que o legitima, para, logo depois, perseguir novos caminhos. Nesse sentido, a perspectiva da literalidade como sentido único, se desconstrói. Um saber assim descrito conjuga-se em enredos de realidade substitutiva.  

*Hélio Strassburger
   Filósofo Clínico

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