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Quem é o partilhante?*

O partilhante é todo aquele que busca a terapia baseada no método da Filosofia Clínica, que procura os cuidados do filósofo clínico. Não é cliente porque não busca um produto, uma fórmula pronta, a ser entregue. Não é paciente porque não há uma doença, uma anormalidade, a ser curada, a se adequar a um modelo normativo. A Filosofia Clínica considera a singularidade do partilhante. Cada pessoa que procura o filósofo clínico é um novo livro, sem cópias, a ser aberto e compreendido por si mesmo. Tal como os pressupostos de interpretação de um livro são formais e consideram que, por exemplo, um texto dissertativo traga um tema, uma hipótese e seus argumentos, a Filosofia Clínica têm seus pressupostos formais. Porém, mais do que gêneros literários, as pessoas são únicas em suas histórias, experiências e modos de agir. Por isso, inspirada no ensinamento dos filósofos, a Filosofia Clínica elenca incontáveis variáveis formais em vista de abarcar a pluralidade do conteúdo de

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"A morte, dizia Epiteto, pega o lavrador em plena lavoura, o marinheiro em plena navegação: 'E tu, em que ocupação queres ser pego?'" "Na Apologia , vê-se Sócrates se apresentar a seus juízes como o mestre do cuidado de si. É aquele que interpela as pessoas que passam e lhes diz: vos ocupais de vossas riquezas, e de vossa virtude e vossa alma. Sócrates é aquele que zela para que seus concidadãos 'cuidem de si mesmos'" "A 'interdição' constituía a medida judiciária pela qual o indivíduo era, parcialmente ao menos, desqualificado como sujeito de direito" "Monstro banalizado e pálido, o anormal do século XIX é também um descendente desses incorrigíveis que aparecem nas margens das técnicas modernas de 'adestramento'" "(...) a crise foi inaugurada, e a idade da antipsiquiatria, que ainda se esboçava, começa com a suspeita, logo tida como certeza, de que Charcot produzia efetivamente a crise da

De quantas mortes você já ressuscitou ?*

                                   A condição para mostrar a vida tal qual se apresenta, inclui a possibilidade de se reescrever, além do primeiro olhar, as páginas do velho diário. Um desses refúgios por onde se insinuam conteúdos desatualizados, também eles compondo essa realidade se reapresentando em múltiplas expressões. Seus apontamentos convidam a emancipar as contradições entre o que se diz e o que se faz. O convívio com esses desdobramentos existenciais auxilia a elucidar a representação por trás dos percursos da singularidade. Sua releitura descobre espaços, até então, desconsiderados. Muitas vezes, na inquietude de uma voz silenciada, se encontra algo mais, propício aos novos tempos. Sua redação está contida na palavra vivenciada, traduzindo fenômenos que estavam ali, como benção, estorvo, desassossego. Esses manuscritos da estrutura de pensamento instituem, na equivocidade dos paradoxos, a vida até então fora de foco. A interseção do sujeito com seus relatos pode

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) não se trata mais de reencontrar, na leitura do mundo e do sujeito, simples oposições, mas transbordamentos, superposições, escapes, deslizamentos, deslocamentos, derrapagens" "(...) sou apenas o contemporâneo imaginário de meu próprio presente (...) sou eu mesmo meu próprio símbolo, sou a história que me acontece" "Quando eu me escuto tendo tocado - passado um primeiro momento de lucidez em que percebo um a um os erros que cometi - produz-se uma espécie de coincidência rara: o passado de minha execução coincide com o presente de minha escuta" "(...) a arte de viver não tem história: ela não evolui: o prazer que cai, cai para sempre, insubstituível. Outros prazeres vêm, que não substituem nada. Não há progresso nos prazeres, apenas mutações" "(...) Toda lei que oprime um discurso é insuficientemente fundamentada" "O intertexto compreende não apenas textos delicadamente escolhidos, secretamente amados

Vivo para que?*

Por apenas viver? Qual sentido? Para alimentar o ego? Pelo coletivo? Por um chamado divino? Às vezes sei, Muitas vezes não sei. Pensar doí, Angustia. Duvidar se impõe Múltiplas complexidades. Só sentir Não me basta. Intuir no silenciar Me preenche. Sentimentos me levam Ao auto-engano. Só a poesia Me salva de mim. Sou humana Na desumanidade. Na quietude Descubro minha Inquietude. Observo as árvores E as invejo. Uma borboleta pousa, Foi casulo. Percebo o meio dia De inverno: Sou azul Em meio a vastidão. Para que vivo? Qual o sentido do viver? Talvez para apenas Ser agora No existir e ser. Conheço-me: Tal Sócrates convida? Ou como ideal científico? Sou apenas um No labirinto Visto de dentro. Só me resta a humildade, Do não saber! Do duvidar E compreender Que o saber só inicia. Sou eternamente condenado A questionar. Toda certeza é superficial, Parcial, prov

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(..) a filosofia é a alvorada sempre recomeçada do pensamento, que não pára de se alçar - brilho pálido da razão - do fundo de nossos crepúsculos" "(...) Ora, a sabedoria outra coisa não é que essa simplicidade de viver. Se é preciso filosofar, é para redescobrir essa simplicidade" "A eternidade é agora: não é um futuro que nos é prometido, o presente mesmo é que nos é oferecido (...) O silêncio e a eternidade andam juntos: nada a dizer, nada a explicar, já que tudo está presente" "(...) não há verdade científica: só há conhecimentos científicos, sempre relativos, sempre aproximados, sempre provisórios, sempre de algum modo duvidosos ou sujeitos a caução (...)" "André, o que fez você nascer para a filosofia ?" "A palavra só me interessa quando é o contrário de uma proteção: um risco, uma abertura, uma confissão, uma confidência... Gosto de que falem como quem se despe, não para se mostrar, como creem os ex

Ensaio dos Possíveis*

            “Cada indivíduo é o centro do universo, e é apenas porque o universo está repleto de tais centros que ele é precioso.”                                                                       Elias Canetti Um belo dia, manhã, uma manhã cinza no dia de um homem, ele acorda. Os pensamentos são formados nas madrugadas, nos dias, no silêncio do sono. A sua formação não é uma enciclopédia, um compêndio, um quadro estático na parede sem cores nem relógios. O formato que se tem é que a vida é uma sucessão de acontecimentos. Teorias ao longo dos séculos. Esse homem atravessou parte do ocaso do século XX, vivendo intensamente as mudanças sofridas e impostas no Ocidente. O Ocidente impôs. O pensamento no mundo ocidental, uma parte viva do mundo, que está na Complexidade de Morin, já não serve mais como uma simples descrição de fenômenos, mas o é, também. Nesse belo dia, o homem percebe que é o mesmo dessas alterações, que é parte de uma mesma coisa, de tudo no mundo. N

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"A resenha literária está para a ficção e a poesia assim como velejar perto da praia está para navegar em alto-mar. Em mar aberto, temos toda aquela magnífica amplidão vazia a nossa volta, os ventos frios e radiantes, e a emoção de um vislumbre ocasional do dorso de um golfinho ou dos saltos sincronizados de peixes prateados; navegando junto à costa, sempre é possível virar de bordo e singrar ainda mais perto da terra firme com a inclusão de outra citação em corpo nove" "(...) A cada momento, um velho mundo está ruindo e um novo surgindo, mas nossos olhos são mais aguçados para o colapso do que para a ascensão, pois o mundo antigo é o mundo que conhecemos" "(...) Todavia, o que é realidade ? Não sentimos materialidade em nós mesmos, e a própria matéria é efêmera" "(...) Melville é um homem racional que quer que Deus exista. Quer que Ele exista pelos mesmos motivos que todos nós queremos: para nos resgatar e nos valorizar, para ser no

Carinho*

Outro dia estava sentada na praça central de uma cidade do interior, deliciando-me com um dos meus exercícios preferidos: observar. O meu olhar se interessa por pessoas, animais, plantas, detalhes das casas e tudo mais que possa compor o cenário. Como há alguns dias estava frequentando esta praça, e apaixonada por bichinhos que sou, acabei fazendo amizade com um cachorrinho viralata todo preto, lindo, que passa seus dias desfilando seu charme por aí e ansioso por carinho e bom trato. Pois este cachorrinho, que é um doce de amável, caiu na antipatia de um menino, que insistia em lhe dar chineladas. Observei a cena e comecei a me irritar. Disposta a defender o cão, me ergui e fui até o local onde agora estavam o cachorrinho, o menino, e mais duas meninas que defendiam o animal. Perguntei ao menino porque batia no cão e a resposta foi de este o havia mordido, ou tentado, afirmativa diante da qual as meninas prontamente se manifestaram: ‘é mentira’. Sinceramente, não acredi

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Como realidade, só existe uma: o instante. Duração, hábito e progresso são apenas agrupamentos de instantes, são os mais simples dos fenômenos do tempo" "(..) Mas, por firmes que sejamos, jamais nos conservamos inteiros, porque nunca fomos conscientes de todo o nosso ser" "Os partidários do tempo descontínuo são antes impressionados pela novidade dos instantes fecundos que conferem ao hábito sua flexibilidade e sua eficácia" "(...) ela leva em conta não apenas os fatos, mas também, e sobretudo, as ilusões - o que, psicologicamente falando, é de uma importância decisiva, porque a vida do espírito é ilusão antes de ser pensamento"  "(...) Mas a função do filósofo não será a de deformar o sentido das palavras o suficiente para extrair o abstrato do concreto, para permitir ao pensamento evadir-se das coisas ?" "Requer-se o novo para que o pensamento intervenha, requer-se o novo para que a consciência se afirme

A poesia e seus rastros*

Se toda poesia voltasse ao seu nascedouro buscasse a tonteira, a vertigem no fim retornando ao começo arrancando a pele dourada arranhando a chaga, mordendo mostrando a cor além da cegueira ouvindo o som na surdez voluntária; se a poesia, toda poesia de onde veio verdadeira retornasse seria sem espera, sem guarda, sem nada – a poesia indo pra casa. Sobre o seu rastro, eu. No fim, então – na fonte de toda poesia. *Prof. Dr. Gustavo Bertoche Filósofo. Filósofo Clínico. Escritor. Livre Pensador. Poeta. Teresópolis/RJ

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"A loucura é a revolução permanente na vida de uma pessoa" "No discurso louco e poético, é precisamente o indizível e o inefável que deve ser expresso" "É claro que a loucura é sempre imediatamente política, embora isso ainda não seja evidente para todos" "(...) A diferença entre o homem são e o homem louco que se torna um esquizofrênico hospitalizado reside simplesmente em que o primeiro conserva suficientes estratégias para evitar, e apenas evitar, as armadilhas da invalidação no mundo normal" "(...) Ora, no caso do esquizofrênico-em-processo ele pode rir, sorrir ou chorar com o absurdo do tipo de comunicação estreito, empobrecido, incompreensivo que é o único possível entre ele e os pais e os médicos (clinicamente, isto seria considerado incoerência de afeto). (...) pareceria imperativo que o psiquiatra se destreinasse, desnormalizasse a sua consciência médica o suficiente para participar neste discurso - o que implic

Quem é o filósofo clínico?*

O próprio método da Filosofia Clínica não nos permite elencar um perfil específico de filósofo clínico. Por isso, precisamos trabalhar sempre com aproximações que quanto mais forem abertas ao elencar possíveis perfis sem, contudo, esgotá-los, melhor. O filósofo clínico é alguém formado em filosofia que percebeu que poderia se especializar em uma vertente terapêutica de sua área para cuidar do próximo.  A percepção pode ter vindo de uma motivação epistemológica, quando há um interesse pelo conhecimento das inquietações das pessoas e suas respectivas soluções possíveis. P ode vir também das buscas intelectivas e/ou somáticas do filósofo. Talvez perceba em si uma missão de ajudar o próximo e a realização disso na Filosofia Clínica. Outro caminho possível é o da emoção, quando aspira o trabalho terapêutico pelo amor à profissão ou às pessoas.  Não podemos deixar de lado aquele filósofo que vê o mundo como um local onde pessoas se ajudam mutuamente e sua parte é a clínica filosó

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Não há nada tão enganador, e por isso mesmo tão atraente, quanto uma superfície calma" "(...) em trabalhos ficcionais, uma imaginação demasiado fértil se liberta do autor, e literalmente voando o conduz a regiões de beleza inexprimível que suas faculdades mal podem apreender, que ofusca seus sentidos e desafia toda descrição; suas composições serão sem dúvida alguma belas, mas de uma beleza obscura e fantástica de autor visionário" "(...) na história das palavras há muitos traços da história dos homens, e ao compararmos o modo de falar de hoje com o de anos atrás, poderemos observar a força de influências externas sobre as palavras de uma raça" "(...) o estudo da língua desses autores também é útil, não apenas porque aumenta a nossa erudição e nos dá maior riqueza de ideias, mas também porque eleva o nosso vocabulário e, paulatinamente, torna-nos mais aptos para compartilhar da delicadeza ou da força do seu estilo" "As

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