Pular para o conteúdo principal

Postagens

Fragmentos Filosóficos, Existenciais, e algo mais*

"(...) O povo prefere, em vez do técnico, possuidor da ciência das moléstias, o 'homem que cura', o que tem 'poder' sobre a doença. Não importa que há anos a bruxaria e o demonismo se tenham volatilizado e transformado em luz elétrica; a fé nestes homens maravilhosos e feiticeiros tem permanecido mais viva do que parece e do que não nos atrevemos a confessar publicamente"  "O povo continua preferindo ao 'frio instrumento', o homem vivo, de sangue ardente, de onde 'emana o poder'. O herbanário, o pastor, o exorcista e o hipnotizador, precisamente por não exercerem suas práticas de cura como ciência, e sim como arte e, mais ainda, como uma arte de nigromância, despertam nas aldeias maior confiança do que o médico com diploma de facultativo" "(...) Da mesma maneira que o sangue, sem ter escutado a lição de nenhum químico, fabrica antitoxinas, assim também o organismo, sustentador e organizador de si próprio, sabe, a mai

Anotações e reflexões de um filósofo clínico*

Ao lermos os diários e as correspondências de líderes políticos, de militares do alto escalão e de escritores e intelectuais, percebemos que os grandes acontecimentos da História quase nunca são públicos - ao contrário: quase sempre são eventos privados, frutos de encontros, sentimentos pessoais e circunstâncias que em nada prenunciavam aquilo que posteriormente viria a ser reduzido a "fatos históricos" descritos em manuais. * * * A História escrita, em todas as suas escolas, é a História institucional. Ela captura somente a superfície dos eventos. Mas é incapaz de descrever o tecido de relações pessoais e percepções privadas que rege os caminhos da humanidade. * * * Para completar: com uma grande freqüência, as personagens principais e os verdadeiros eventos decisivos da História permanecem completa e irremediavelmente subestimados, desprezados ou ignorados. * * * Dito isso tudo, resta a conclusão à moda de Vaihinger: praticamente tudo o

Fragmentos Filosóficos, Antropológicos, e algo mais*

"A coisa mais importante a saber acerca dos humanos pré-históricos é que eles eram animais insignificantes, cujo impacto sobre o ambiente não era maior que o de gorilas, vaga-lumes ou águas-vivas" "Há apenas 6 milhões de anos, uma mesma fêmea primata teve duas filhas. Uma delas se tornou a ancestral de todos os chimpanzés; a outra é nossa avó"  "(...) As pessoas entendem facilmente que os 'primitivos' consolidam sua ordem social acreditando em deuses e espíritos e se reunindo a cada lua cheia para dançar juntos em volta da fogueira. (...) nossas instituições modernas funcionam exatamente sobre a mesma base" "Tente imaginar o quão difícil teria sido criar Estados, ou igrejas, ou sistemas jurídicos se só fôssemos capazes de falar sobre coisas que realmente existem, como rios, árvores e leões" "(...) desde a revolução cognitiva o Homo sapiens tem sido capaz de revisar seu comportamento rapidamente de acordo com nece

As mesmas palavras***

"Em seu ser atual, as palavras, acumulando sonhos, fazem-se realidades"                                              Gaston Bachelard  Uma só expressão pode conter a pluralidade indescritível de significados. Parece uma propriedade especial, essa aptidão de multiplicar-se para acolher a diversidade existencial em cada um. É improvável ser o dicionário de sinônimos e antônimos o guardião de todas as possibilidades para acessar suas variáveis discursivas. O território mutante da singularidade aprecia resguardar-se na vontade subjetiva.  Seu esboço, a reivindicar uma chave de leitura específica, propõe qualificar o reencontro com a fonte de onde partiu. Em todo lugar, a cada instante, existe um convite para desbravar inéditos. Mesmo o antigo dialeto, recuperado pelo novo olhar, pode ser refúgio de originais. Assim, as mesmas palavras podem ser outras palavras. O encontro da expressividade com a intenção do autor delimita seu sentido inicial. Aqui não se busca o

Fragmentos Filosóficos, Libertários, e algo mais*

"(...) Todo homem seleto procura instintivamente seu castelo e seu retiro, onde esteja salvo do grande número, da maioria, da multidão (...)" "Independência é algo para bem poucos: é prerrogativa dos fortes" "É inevitável - e justo - que nossas mais altas intuições pareçam bobagens, em algumas circunstâncias delitos, quando chegam indevidamente aos ouvidos daqueles que não são feitos e predestinados para elas" "Livros de todo mundo sempre são livros malcheirosos: o odor da gente pequena adere a eles. Ali onde o povo come e bebe, e mesmo onde venera, o ar costuma feder. Não se deve frequentar igrejas, quando se deseja respirar ar puro" "(...) É preciso livrar-se do mau gosto de querer estar de acordo com muitos" "(...) as grandes coisas ficam para os grandes, os abismos para os profundos, as branduras e os tremores para os sutis e, em resumo, as coisas raras para os raros" "O amor a um único se

Abertura à subjetividade*

Nossos dias estão cheios de receitas, conselhos, fórmulas, dicas, sobre como viver. “Pare de sofrer! Tenha metas na vida! Não se abale por qualquer coisa! Saia de dentro de casa! Não estude tanto! Você precisa aproveitar mais a vida! Você é muito jovem para casar! Já é tempo de começar a agir como um adulto!”   E tantos outros conselhos mais aparecem no dia a dia, como se a vida já viesse com um manual de instruções. Como se os que aconselham soubessem de um manual de como viver, e o conhecessem em todos os seus detalhes. No entanto, o mundo não é feito de experiências semelhantes. Mesmo no caso de gêmeos, um sairia primeiro do que o outro, e daí já começaria uma série de pequenas diferenças de vivências que acarretaria no fim, numa enorme estrutura de pensamento de distância. Respeitar as diferenças. Um ensinamento proposto pela Filosofia Clínica. Não há modelos a serem seguidos. Não há diagnósticos a serem encontrados. Há subjetividade. E no consultório o partilha

Fragmentos Filosóficos, Poéticos, e algo mais*

Canto a Mim Mesmo Estão todas as verdades À espera em todas as coisas: Não apressam o próprio nascimento Nem a ele se opõem; Não carecem do fórceps do obstetra, E para mim a menos significante É grande como todas. Que pode haver de maior ou menor do que um toque? Sermões e lógicas jamais convencem; O peso da noite cala bem mais Fundo em minha alma. Só o que se prova a qualquer homem ou mulher, É o que é; Só o que ninguém pode negar, É o que é. Um minuto e uma gota de mim Tranquilizam o meu cérebro: Eu acredito que torrões de barro Podem vir a ser lâmpadas e amantes; Que um manual de manuais é a carne De um homem ou de uma mulher; E que num ápice ou numa flor Está o sentimento de um pelo outro, E hão de ramificar-se ao infinito, A começar daí­, Até que essa lição venha a ser de todos, E um e todos possam nos deleitar E nós a eles. *Walt Whitman

Invisíveis*

               O que há com aqueles companheiros que esperam calmos e silenciosos ali na plataforma, tão calmos e silenciosos que colidem com a multidão em sua própria imobilidade”                                                                        Ralph Ellison                                                                  (Homem invisível) Não engane os vivos, a prova de amor mais bela, a oculta vem para depois do medo, o invisível luta o que pinta, quem escreve morrerá nunca. A música que toca, o texto na tela não é como marca imposta no corpo. Somos milhões pelo mundo, nunca morremos, desaparecemos, cherie. Aos poucos, nos unimos no fundo, profundezas da dor, então, estamos vivos novamente. Continuamos dançando, pintando, o canto nunca silenciará. Somos criaturas invisíveis, somos vozes e corpos que renascem da dor. Somos a mistura da arte com a vida que é ofuscada, da voz que é aterrorizada, vozes surgem de todos os lados do mundo, a invisibilidade é a p

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"Tinha prazeres diferentes: amava ser contra as ideias dos seus vizinhos de mesa e gostava de estudar almas. Correra todo Paris, dos mais aristocráticos salões aos mais sórdidos cabarés, numa volúpia de escalpelar as almas, pôr-lhes à mostra sentimentos, estudá-las..." "(...) Quero lhe dizer que os seus olhos prometem coisas absurdas, mas eu conheço todas as coisas absurdas e duvido muito que você me dê qualquer coisa nova" "(...) Se vocês fossem iguais a todos os outros, achariam a felicidade em qualquer parte. Na religião, no amor, no trabalho, em qualquer coisa. Mas, como vocês são superiores, não a encontrarão nunca. A felicidade pertence somente aos burros e aos cretinos. Felizmente, nós somos infelizes (...)" "(...) Aqueles homens sofrem a única tragédia verdadeira... A da fome... Nada. A nossa é muito maior - atalhou José Lopes. A nossa fome é a fome do espírito" "(...) Mas amar uma mulher medíocre, igual às mulhere

O atual presidente da república chamou o Paulo Freire de "energúmeno"*

Para uma corrente da nossa política, a culpa da tragédia que é a educação brasileira é de um "marxismo" que teria sido introduzido nas reformas do MEC justamente pelo Paulo Freire. Essa idéia foi expressada nesses termos inclusive pelo economista que ocupa o ministério da Educação. Mas a educação brasileira segue um projeto marxista? * * * Em primeiro lugar, é questionável que o "método Paulo Freire" de alfabetização (que, essencialmente, propõe aproximar o aprendizado das letras às circunstâncias do aluno) seja particularmente marxista - pois esse método serve perfeitamente também para a "educação para o trabalho", que de marxista não tem nada, e é oposto a outras concepções pedagógicas explicitamente marxistas, como a pedagogia histórico-crítica. Em segundo lugar, a denúncia paulofreiriana presente na "Pedagogia do Oprimido" (1968) contra a "educação bancária", que conduz o aluno ao hábito de desejar a opressão, é, a

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"É instrutivo observar que, além da 'língua oficial', a do pensamento conforme, existe uma multiplicação de idiomas, discursos tipicamente tribais, enraizados nas práticas cotidianas, de qualquer ordem que sejam: musicais, esportivas, sexuais, culturais e até políticas ou mesmo intelectuais (...)" "Claro, não é nenhuma novidade, mas, como em outros períodos de mutação, continuamos a analisar ou julgar os fatos sociais com critérios de outras épocas" "O imaginário societal tem uma autonomia específica. É móvel, fugidio, polimorfo, mas não menos eficaz. E somente um politeísmo epistemológico pode levar a entender o advento das figuras em torno das quais se estrutura a ligação social" "(...) a conexão social é feita mais de afinidades eletivas que de contratos racionais. Ter ou não o 'feeling' será o critério essencial para julgar a qualidade de uma relação. E é nesse aspecto no mínimo evanescente que repousará sua durabi

A Clínica do Filósofo***

"Qual é esse projeto secreto, inacessível e inexistente cuja pressão constante se exerce, de fato, sobre os homens, e particularmente sobre os homens problemáticos, os criadores, os intelectuais, que estão, a cada instante, como que disponíveis e perigosamente novos ?"                                                                          Maurice Balchot Venho pensando sobre o lugar onde a clínica acontece. Não o endereço físico dos atendimentos, seja ele na beira da praia, em um café, no consultório. Essas ideias buscam dar visibilidade ao território onde a interseção se realiza. Uma transcendência no esboço dos propósitos, os contornos, as derivações, os significados. Essa inquietude sobre as dialéticas do instante terapêutico quer pensar sobre a natureza desse encontro. A própria eficácia das sessões é refém desse vazio à espera de preenchimento. Nesse vislumbre de foco caleidoscópico, o filósofo clínico exercita sua arte cuidadora. Seu perambular aprendiz d

Visitas