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E pra terminar...*



Sim, houveram barreiras. Enfrentei feras de tamanhos que antes não ousava. São feras maiores, muito maiores que meus sonhos buscavam vencer. São existenciais e que me levaram a um salto quântico. Passeei por caminhos fluídicos com a percepção efêmera e própria de um viajante que busca conhecer lugares e almas, e encontrei respostas, embora não as tenha ido buscar. Meus elétrons saltavam! 

Encontrei seres singulares como já era de se esperar e constatei a humanidade, como sempre constato em cada canto, cada rosto, gesto ou sorriso. Vi de perto o igual se igualando a mim numa diferença tênue, nada demais. Vi brasileiros em holandeses, londrinos e portugueses como agora tenho a exata certeza de que nascemos onde a alma ainda busca completar seu caminho em processo de ascensão em todas as raças, em todos os povos. Vi a maldade na fé cega e a bondade no inesperado.

Não, você não é diferente, tenho essa má notícia para te dar. Ninguém é e, há anos venho pesquisando quanto a todos nós estarmos perdidos nessa busca angustiante, na tentativa de sermos únicos e pior, especiais. Não, ninguém é! Ninguém é mais inteligente, nem bonito, nem rico porque esses conceitos se distribuem pela humanidade a fora. Somos um.

Minha avó dizia: Deus não daria tudo a uma pessoa só! E ela, que pouco tinha estudado, filosofava como ninguém. E, de verdade Ele não dá. Então porque ainda pensamos que podemos ser especiais?
Você sabe mexer angu? Sabe trocar a pastilha de freio do seu carro? Sabe pilotar um avião? E manipular o remédio pra segurar a sua pressão arterial? Consegue roçar uma roça? De verdade, você consegue dar paz a uma alma aflita? Consegue escutar um ser em desespero? O que você consegue fazer de bom? E de ruim, o que você é capaz de fazer? Tem inteligência para assaltar um banco e nunca ser pego? Torcer o pescoço do seu desafeto e continuar livre? Consegue criar algum método dito para salvar pessoas física ou psiquicamente sem esperar recompensas? Não sente orgulho ou vaidade?

Somos iguais e diferentes, pois cada um de nós tem habilidades que se completam, que nos une e que nos faz acreditar que somos melhores ou piores. Que comédia! E que tristeza ao mesmo tempo. A inveja e a admiração brigando entre si, tentando ser diferentes. Um querendo o lugar do outro e é apenas isso. As pessoas estão se matando porque não conseguem se distinguir, se revelar, se estrelar. Brincos, tatuagens, cabelos coloridos, sexualidade articulada, o melhor corpo, o melhor trabalho, a maior virtuosidade, a maior maldade – sim, porque hoje em dia até o criminoso é glorificado – a maior obra de arte, o melhor papel no cinema.

Estou voltando agradecida por essa percepção da alma humana, pelo conhecimento ampliado de mim mesma, pelas promessas que estou me fazendo para uma vida ainda mais alegre e para o meu trabalho ainda mais amoroso. Por nenhuma outra promessa que fiz para fora de mim.

Para quem ainda não sabe, lido com as pessoas, com as almas aflitas, com os corações apaixonados e com as mentes barulhentas. Pessoas como eu que buscam viver em paz ou não, dependendo de como o calo aperta.

Passando por Paris, Portugal e Amsterdam, superei as alturas, as agruras, as feiuras, as poucas lisuras. Enfrentei alguns preconceitos, vi pombos e ratos, mais que sabia existirem, pois como vivo normalmente não os vejo. Vi ladrões. Vi a inveja, as brigas, a pobreza, a doença. A felicidade foi não ter visto crianças pelas ruas se drogando para aguentarem o frio, a fome e a tristeza, e espero parar de ver isso por aqui também. Vi a ganância, a riqueza o exagero nos gastos, a opulência. Vi onde o dinheiro brasileiro chega em malas sem conta e onde ele fica e ainda assim não faz do brasileiro uma pessoa bem vista por lá. Vi o belo mais na história desses lugares que na atualidade. Sim, os monumentos, os museus, a preservação da cultura o respeito a natureza a valorização de cada espacinho verde. Por trás de tudo isso ela, aquela que tudo destrói, a vaidade. Séculos afora, a vaidade em cada busto, em cada retrato ou documento de feito.

Estou voltando. Fiz muitos amigos e a minha ultima manhã em Amsterdam foi de encontro com uma brasileira que está lá há 18 anos – tem “zilhões” de brasileiros por lá e pela Europa toda tentando ser diferentes – e ela já não sabe mais porque está lá. Me disse que está muito difícil continuar convivendo com o estresse cotidiano, com as pessoas frias e enlouquecidas com seus trabalhos e suas bicicletas esperando o fim do dia para chegar em casa, dormir e acordar para um dia louco do mesmo jeito. Enquanto eu conversava com ela, na portaria tinha um policial pedindo informações sobre o roubo do hotel ao lado na noite anterior. Eu estava em Amsterdam e o ser humano também estava lá comigo.

Estou voltando, encantada com as flores cultivadas pelas pessoas que tentam ser diferentes exercendo a paciência, ganhando seu pouco salário para dar amor suficiente para que elas sejam as mais coloridas e perfumadas e na minha clássica ingenuidade, prefiro esquecer os insumos. Volto encantada com a força que o europeu tem para enfrentar o frio, como eles são práticos e inteligentes para driblar situações difíceis, tempos difíceis. Como eles sabem viver com pouco. Eu disse pouco, embora eu conheça a história do nada.

Volto com seletos amigos novos e antigos reforçados na minha vontade de conviver em alegria com pessoas puras de riso aberto e vontade de viver cada minuto que nos resta da existência. Volto mais certa que não quero sorrir de graça para gente sem graça. Que me basto e que num suspiro afasto o que não quero viver e com quem não quero viver. Meu tempo não sei quanto é e o quanto for é precioso demais para dar pérolas ao nome que não quero dizer aqui. Não sou incondicional – que feio né? – mas abraço apertado a condição de ser humano pronto a quem quiser o que tenho para dar, fora isso saio pra passear.

Voltei apaixonada por nada, apaixonada por ela, por ele, por tudo. Me apaixonei, senti meu coração vibrar, tive vontade de chorar de ficar de sentir. Apaixonada por sorrir, por rir muito. Por rir. Rir. Viver sem graça é uma desgraça, uma ameaça, uma trapaça.

*Jussara Hadadd
Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica.
Juiz de Fora/MG

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