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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*


"A narrativa não é o relato do acontecimento, mas o próprio acontecimento, o acesso a esse acontecimento, o lugar aonde ele é chamado para acontecer, acontecimento ainda por vir e cujo poder de atração permite que a narrativa possa esperar, também ela, realizar-se"

"Não devemos esquecer essa lenta maturação, essa vida que sua vida empresta à obra e essa experiência estranha que faz depender sua existência de um livro sem fim, e depois a transforma, tornando-a fundamentalmente improvável"

"O homem é esparso e descontínuo, e não momentaneamente, como aconteceu em outras épocas da história, mas atualmente é a própria essência do mundo ser descontínuo"

"Virgínia Woolf fala de 'realidade': ela diz que: 'o romancista busca trazer à luz a parcela de realidade que é a sua'. Mas como essa realidade não é dada de antemão, nem nos outros livros, mesmo os considerados obras-primas, nem no mundo que se abre a nosso olhar cotidiano, como ela nos escapa constantemente, inacessível e como que furtada por aquilo que a manifesta, é uma realidade tão simples, mas também tão excepcional quanto o livro que a fará brilhar por um instante a nossos olhos" 

"Toda arte tira sua origem de um defeito excepcional, toda obra é a realização desse defeito de origem do qual nos vêm a aproximação ameaçada da plenitude e uma nova luz"

"Qual é esse projeto secreto, inacessível e inexistente cuja pressão constante se exerce, de fato, sobre os homens, e particularmente sobre os homens problemáticos, os criadores, os intelectuais, que estão a cada instante, como que disponíveis e perigosamente novos ? A ideia de uma vocação (de uma fidelidade) é a mais perversa das que podem perturbar um artista livre"

"A errância, o fato de estarmos a caminho sem poder jamais nos deter, transformam o finito em infinito. A isso se acrescentam estes traços singulares: do finito, que é no entanto fechado, podemos sempre esperar sair, enquanto a vastidão infinita é a prisão, porque é sem saída; da mesma forma, todo lugar absolutamente sem saída se torna infinito"

"A fala profética é uma fala errante que volta à exigência originária de um movimento, opondo-se a toda estabilidade, toda fixação a um enraizamento que seria repouso"

*Maurice Blanchot in "O livro por vir". Ed. Martins Fontes. SP. 2005.

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