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Ler e escrever como terapia*



Os caminhos para se chegar a uma melhor condição de bem-estar subjetivo são tão diversos quantos são os indivíduos. Para alguns, conversar semanalmente com o terapeuta é o melhor dos caminhos. Para outros, a alma sorri mesmo é com uma boa conversa jogada fora junto daqueles amigos sinceros que dizem coisas bonitas com a mesma naturalidade com que convidam a refletir sobre as falhas e fissuras no seu jeito de ser e existir. Tão bem faz, igualmente, para algumas pessoas, a prática da fé e da espiritualidade, ou da solidão momentânea, para ficar de encontro com seus próprios pensamentos, com seus próprios sentimentos.

A lista é infindável: brincar com os netinhos, tomar chimarrão na praça, paquerar ao pôr do sol, cozinhar para o amor da sua vida, cuidar de plantas e jardins... Tudo isso faz bem, gera prazer e satisfação em viver, para muitas pessoas. Para um sem número de sujeitos, porém, existe um método que historicamente se estabeleceu como charmoso para retratar das dores e alegrias que passeiam pelo íntimo de cada um: a literatura como terapia.

Vale para quem lê: quem nunca se identificou com as angústias de Sartre, com as dúvidas de Machado de Assis, com as dores de Florbela Espanca, com o romantismo inocente de Mário Quintana? E assim tornou sua dúvida, seu medo, e sua dor, um pouco menor, um pouco melhor compreendida, e portanto mais acessível de ser trabalhada, lapidada, superada?

Vale para quem escreve: quem nunca, ardendo em paixão, atreveu-se a escrever versos quentes? Quem nunca, aos borbotões, transformou a dor de uma perda em carta triste, que jamais foi enviada. Ou foi? Quem nunca, não conseguindo externar o que sentia, transformou seu diário na melhor companhia, passando a limpo fatos, percepções e sensações que ajudaram a diminuir sua solidão?

A literatura traz benefícios, tanto para quem lê quanto para quem escreve. E talvez o primeiro deles seja a qualificação do tempo. Sabe aquele final de tarde em que nada chama a atenção? Você já está há minutos zapeando na televisão, sem encontrar algo de interessante? Talvez esse seja um bom momento para pegar um livro ou se dispor a desenvolver algumas linhas.

Mas os benefícios vão muito além e podem até assumir ares de terapia. Diversas abordagens, inclusive, utilizam, de maneira sistematizada, a arte em seus procedimentos. Em se tratando de literatura, no processo de identificação (seja por antipatia ou simpatia) com cada um dos personagens, é possível investigar o próprio íntimo. Os desconfortos ou apreços que personagens e tramas que sentimos não são gratuitos. Antes, são capazes de dizer muito sobre nosso próprio existir.
Já havia pensado sobre isso? Bora escrever?

*Sandra Veroneze
Jornalista. Filósofa Clínica
São Paulo/SP

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