Amigos, o novo ministro da
Educação diz querer acabar com o "marxismo" no sistema educacional
brasileiro.
Mas a educação brasileira segue
um projeto marxista?
Quando ouço alguém falar sobre o
"marxismo" na nossa educação, invariavelmente aparece a referência a
Paulo Freire.
Ora, é duvidoso que o
"método Paulo Freire" de alfabetização (que, essencialmente, propõe
aproximar o aprendizado das letras às circunstâncias do aluno) seja
particularmente marxista - ele serve perfeitamente também para a "educação
para o trabalho", que de Marx não tem nada.
E a denúncia paulofreiriana
presente na "Pedagogia do Oprimido" (1968) contra a "educação
bancária", que conduz o aluno ao hábito de desejar a opressão, é, antes de
"esquerdista", libertária: não somente os marxistas, mas também os
liberais clássicos (aqueles mais interessados nas liberdades políticas do que
no dinheiro) e os anarquistas concordariam plenamente com ela.
No fim das contas, Paulo Freire
não pode ter estabelecido o "marxismo" na educação brasileira porque
se por um lado insistiu na alfabetização a partir do mundo do aluno e na
educação "libertadora", com a qual cada um pode mudar as suas
circunstâncias, por outro nunca propôs um programa educacional sistemático.
Um programa sistemático explícita
e inegavelmente marxista é o da pedagogia histórico-crítica criada por Dermeval
Saviani (a partir de "Escola e Democracia", 1983) e desenvolvida por
ele e por Newton Duarte. Para eles, a educação escolar deve dar à classe
dominada acesso aos recursos culturais da classe dominante - ou seja: todos os
alunos, inclusive (e principalmente) os alunos pobres, devem aprender o que a
humanidade produziu de mais elevado no campo da ciência, da arte e da cultura
em geral, para que possam, assim, romper a lógica da opressão da elite sobre a
classe trabalhadora.
Em outras palavras: de acordo com
a perspectiva marxista de Saviani, a educação escolar precisa ter uma qualidade
extraordinária - inclusive tornando possível a apropriação, por parte dos
alunos pobres, da alta cultura universal (na literatura, na música, nas artes
clássicas, por exemplo): qualquer aluno deveria ter acesso à obra de
Shakespeare, de Bach e de Van Gogh como componentes escolares.
Naturalmente, essa proposta
realmente marxista, que concebe a educação como instrumento para a verdadeira
autonomia da classe trabalhadora, jamais teve nenhum eco no MEC - que, pelo
menos desde 1971 (com a reforma educacional criada pelo positivismo militar que
substituiu a divisão, no segundo grau, entre o "clássico" e o
"científico" pela "formação para o trabalho" de orientação
tecnocientífica) caminha na direção contrária, determinando uma "educação
para o trabalho" para os pobres e para a classe média, longe de tudo o que
possa significar a aquisição da cultura universal.
Tampouco passou pelo MEC outra
abordagem de fato marxista em relação à educação - esta, crítica, feita por
Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron em "A Reprodução: elementos para
uma teoria do sistema de ensino" (1970). Bourdieu e Passeron tratam do
modelo escolar francês, mas suas idéias se aplicam ao brasileiro. Para eles,
qualquer ação pedagógica é violência simbólica e impõe um arbirtrário cultural
- uma concepção que tanto a esquerda quanto a direita detestaram nos anos 70,
pois revela que qualquer tipo de educação é opressora.
O MEC também não tomou
conhecimento de outra crítica, também à esquerda, às escolas. Em
"Sociedade sem Escolas" (1970), Ivan Illich acaba, por outra via,
convergindo com as idéias de Bourdieu e Passeron. Para Illich, a escola é mais
um modo de institucionalizar a vida, de subjugar toda a existência do ser
humano a um poder controlador institucional anônimo e quase inescapável.
Houvesse o MEC incorporado essas
críticas, teríamos campo para propostas não-diretivas como Summerhill ou a
Escola da Ponte - ou mesmo a liberação do homeschooling.
Amigos, a nossa educação nunca
foi marxista. Nos últimos trinta e oito anos, a orientação do MEC foi,
verdadeiramente, oposta: visou à formação do cidadão bom funcionário e
consumidor previsível - e não à ascensão econômica e política da classe
trabalhadora por meio da sua ascensão cultural, como uma educação marxista
proporia.
Em suma: o programa do MEC não é
marxista, mas voltado para o "mercado de trabalho". E, por isso, tem
sido, nas últimas quatro décadas, o principal agente emburrecedor do povo
brasileiro.
*Prof. Dr. Gustavo Bertoche
Filósofo. Educador. Escritor.
Filósofo Clínico. Livre Pensador.
Teresópolis/RJ
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