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Em uma noite de outono*

                                           
Em uma noite de outono, fresca, leve, silenciosa, e com o livro “O homem à procura de si mesmo” em mãos, balançando a rede enquanto lia, pensei em mandar um trecho ao meu irmão, paro de ler, busco o celular, algumas mensagens de whatsApp, numa delas a expressão de espanto de meu irmão dizendo: “que loucura gente, essa história da Sofia, a mãe deve estar arrasada.”
Rapidamente acesso minha mãe, que diz: Gente, morreu  a Sofia. Ela se enforcou, não sabem por quê? E me remeto diretamente ao papel do terapeuta diante de tal mistério, o suicídio. Esse que vem, muitas vezes, sem aviso prévio, ou seja, de pessoas que sequer uma vez cogitamos tal desfecho diante da vida. Não era exatamente esse o caso.
De qualquer forma, reflito sobre o seguinte: Será que a pessoa emitia gritos de socorro e desdenhamos suas expressões, sem ao menos ver, sem perceber seus sinais para tal possibilidade?
Que papel as próprias drogas psiquiátricas cumprem acerca desse tema, já que algumas delas explicitamente trazem tendência suicida na bula?
Será que foi um ato tão solitário da pessoa, a ponto de realmente não sobrar espaço para o transbordamento de sinais que pudessem ser captados pela nossa percepção?
Será que ela desistiu de si? Desistiu do mundo? Desistiu de suportar suas dores? E se foi um ato de libertação, sendo o suicídio o próprio remédio?
Como saber? Como lidar com o fato de que é um certo tipo de mistério ao qual ainda não temos acesso via racionalidade? Em todo caso, não é raro termos acesso a algumas experiências com pessoas próximas de nós se suicidando.
Como suportar a morte te avisando que existe? Como acolher a dor de uma mãe que chora porque a filha decidiu ir embora para não mais voltar?
Fica aqui reiterada a urgência do papel existencial de cuidador, não só o terapeuta, mas o cuidador que existe em cada um de nós, aquele que ama as pessoas e as acolhe, guardando assim a vida, em suas mais amplas manifestações. “O homem à procura de si mesmo” espera...

*Dionéia Gaiardo
Filósofa Clínica. Coordenadora da Casa da Filosofia Clínica em São Leopoldo/RS

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