Gostaria de conduzir a
presente reflexão a partir do título. Segundo suponho, nele está a síntese,
ainda não explicada, do que vou postular a seguir.
Primeiramente vamos
esclarecer o novo: a Filosofia Clínica. Por que novo? Porque é uma proposta
criada no fim do século XX, formulada ao longo da década de 1980, consolidada
em meados da década de 1990 e estendida até hoje. Trata-se de um método cuja
riqueza reside no postulado de seu caráter inacabado, continuamente se
reinventando, sempre em desenvolvimento. Levando em conta que o saber da área
de humanas geralmente leva tempo para se consolidar, a Filosofia Clínica é uma
proposta extremamente nova.
E o que é o velho?
Antes de explicá-lo, gostaria de contextualizar o porquê deste termo. Comecei a
cursar a Filosofia Clínica em 2010, quando estava na segunda faculdade,
cursando a licenciatura em filosofia – na primeira havia cursado o bacharelado
na mesma área. Quando conheci a Filosofia Clínica, a perspectiva – que se
mantém até hoje – era a de que se tratava de um olhar novo que permitia
compreender de modo menos engessado as pessoas e a nós mesmos.
Hoje frequento o curso
como ouvinte. Em quase quatro anos de frequência contínua, seja dentro da sala
de aula, seja acompanhando trabalhos escritos e audiovisuais, pude notar um
certo rechaço em relação aos velhos. Agora cabe finalmente dizer o que é o
velho.
Velho é o “sistema
acadêmico tradicional”. A estrutura universitária enrijecida em seu hermetismo,
estéril ao lidar com a vida e sem abertura às singularidades que não comportam
aquelas exigências limitadas de seu sistema. Trata-se, em suma, do velho, se o
colocarmos em relação ao novo que a Filosofia Clínica trouxe. Isto é o que ouvi
ao longo desses anos e que continuo ouvindo.
Pois bem, apresentado o
novo e o velho, precisamos compreender em que medida e o que é o paradoxo. Para
isso, vamos nos valer, sucintamente, de Thomas Kuhn que, por sinal, tem seu texto
tão bem e sabiamente recomendado no decorrer dos módulos do curso de Filosofia
Clínica. Em seguida, passaremos à questão do velho, do novo e do paradoxo.
Thomas Kuhn apresenta
na sua obra “A estrutura das revoluções científicas” a mudança do velho paradigma
científico para o novo. Segundo o autor, essa mudança, convenhamos que costuma
acontecer em vários âmbitos da vida, gera uma tensão. Depois de um tempo o
velho paradigma é substituído, tornando-se o vigente até que um novo paradigma
surja para questioná-lo e, quem sabe, substituí-lo.
O que talvez não
apareça no discurso kuhniano – e que é muito bem apresentado pelos mais
aguçados filósofos clínicos – é que essa descrição não é tão rígida e que
sempre há exceções que, por sua vez, não se restringe a casos tão isolados. Em
outras palavras, há psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, filósofos e
acadêmicos em geral fechados ao velho paradigma e inúmeros abertos ao novo,
inovando.
Ainda poderíamos nos
estender ao ramo das ditas ciências exatas ou ciências da natureza que, num
primeiro momento, são rígidos em seus experimentos mensuráveis e passíveis de
serem repetidos; mas, se nos aproximarmos um pouco mais, a linguagem, assim
como os wittgeinsteinianos jogos de linguagem de qualquer subgrupo, é de certo
modo rígida em sua convenção dada no âmbito regional de seus interlocutores.
Entretanto, além da linguagem específica, permanece a abertura ao novo, seja
ele qual for.
Se há não somente a
tensão existente do velho para o novo, há paradoxalmente do novo para o velho.
Uma das atribuições que tiro de meus pré-juízos (lembrando que estes costumam
ser fundamentados em vivências) é que do mesmo modo como o novo é rejeitado
pelo desconcerto ou pela necessidade de reconstrução que cabe àquele que está
vinculado ao velho, o contrário também acontece, mas por outro caminho. Quando
não se chegou a sequer se adaptar ao velho paradigma, quando este era
predominantemente vigente, o incômodo sem solução estava presente. Mas, a
partir do momento em que o novo surgiu e a adaptação foi muitas vezes mais
fácil, o velho foi rechaçado como o que não tem valor.
Não falo de poucos
casos isolados. Percebi muitas situações assim. O que alguns filósofos clínicos
não notam – tantos os em formação quanto os formados – é que estão paradoxalmente
rejeitando um dos maiores pressupostos da “ciência” que estão adquirindo: a
singularidade. Aplicam-na aos partilhantes, aos amigos, à família, à própria
vida. Mas, quando se dirige ao âmbito no qual se encontra o velho paradigma,
“esquecem” do que aprenderam.
A academia, seja ela na
área de humanas, seja na área das ciências exatas, não deve ser vista como um
grande monstro que rechaça os que a ela não se adaptam. Muito pelo contrário,
ela é feita de pessoas, singulares, portanto, fechadas e abertas. Não considero
com essas palavras um juízo de valor, pois, como aprendemos na Filosofia
Clínica, a singularidade implica necessidades próprias para viabilizar sua
existência como cabe à sua Estrutura de Pensamento; e o fechamento e a abertura
é um desses modos.
Como na Filosofia
Clínica sempre somos levados a não nos determos às afirmações universais, uma
vez que nossos pré-juízos vem da vida, gostaria de exemplificar. Cursei o
bacharelado numa faculdade e a licenciatura numa universidade, ambas particulares,
em cidades diferentes. Já a pós-graduação estou cursando numa universidade
pública, no estado diferente dos quais cursei a graduação – parte dessa
formação foi, e está sendo, paralela ao curso de Filosofia Clínica. Considero
essa diversidade de lugares, ainda que mínima, exemplar para minha
consideração. Em todas elas conheci pessoas fechadas, herméticas, sem abertura
para ouvir nada além daquilo que defendem, fechados inclusive para a discussão
propriamente acadêmica. Por outro lado, conheci sujeitos amplamente sensíveis
aos novos paradigmas das mais diversas naturezas.
Hoje curso uma área de
humanas que se chama Ciência da Religião. Conceito aparentemente paradoxal, uma
vez que ciência remete à rigidez conceitual e experimental e religião, quando
não é remetido a dogmas, é pensada como algo extremamente subjetivo. Eis o paradoxo
que se complementa. No mesmo curso, a sociologia, a teologia, a filosofia
(subárea na qual atuo), a literatura, a antropologia e a psicologia, tratam de
fé, da relação da religião com o espaço público, com conceitos acerca da
divindade, de mística, do diálogo interreligioso, entre outros. Um curso em que
se permite o silêncio diante do mistério e considerações acerca do que pode ser
dito. (Lembro aqui que não sou o caso único de quem medeia as filosofias
acadêmica e clínica no processo de formação).
A afirmação acerca da
limitação acadêmica em geral pode estar mais nos pré-juízos mal fundamentados,
mal experimentados ou até inadaptados do velho paradigma, do que no paradigma
mesmo; pode também estar restrito a um juízo universal feito a partir do caso
pessoal, esquecendo que cada sujeito tem seus próprios meios de viabilizar sua
Estrutura de Pensamento, sendo a vida acadêmica uma delas.
Após a breve exposição
das considerações acima, concluo com a seguinte consideração: Se não é possível
cobrar dos pertencentes aos velhos paradigmas uma postura de abertura ao novo,
cabe aos filósofos clínicos, não por um princípio moral, mas pela constituição
da própria formação, uma postura menos rígida, mais plástica. Quando o velho
critica o novo podemos considerá-lo uma possível tensão própria do processo de
consolidação. Mas, quando o novo critica o velho, sobretudo quando o novo é a
Filosofia Clínica que se propõe a abertura plástica e a atenção à
singularidade, contemplamos o paradoxo.
*Prof. Dr. Miguel
Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor.
Filósofo Clínico. Livre Pensador.
Teresópolis/RJ
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