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Quero me sentir aceita, bem vinda, livre*



Tenho 50 anos, duas filhas, uma mãe velhinha, algumas rugas, três quilos acima do peso, dois procedimentos estéticos. Posso dizer que já passei por alguns relacionamentos. Chorei, sorri, apaixonei, namorei, amei, odiei, casei, separei, casei de novo, enviuvei, morei junto, morei separado, até relação homo afetiva já experimentei. Já fui ciumenta, possessiva, desconfiada, vingativa, curiosa, dependente, submissa. Em cada vinculo aprendi algo, hoje sei bem o que quero e o que esperar desta vida.

Quero acordar algumas manhãs e sonolenta, de olhos ainda fechados, conversar bobagens com ele por cinco minutos antes de sair da cama. Se der tempo, ainda podemos fazer amor, como se fosse a última e única vez.

Quero que ele saia com os amigos, tome cerveja, e na manhã seguinte, se estiver de ressaca, me chame, porque quer estar entre meus braços e contar que havia uma menina no bar que flertava com ele.

Quero voltar para casa depois de uma noitada com as amigas, receber um beijo, deitar com ele e usar suas pernas como travesseiro.

Quero rir com ele. Quero fazer planos juntos, mesmo que não os realizemos. Quero fazer coisas que não fiz com ninguém, e com ele sentir-me segura. Quero ser sua melhor amiga.

Quero ficar em silêncio a seu lado. Quero que ele me faça falar e depois fale dele. Quero ouvi-lo dizer que me ama, e, sobretudo, poder sentir e dizer o mesmo. Quero contar meus segredos e guardar os dele. Não quero ter assunto proibido. Quero me sentir aceita, bem vinda, livre. Quero fazer amor e depois dormir sentindo seu corpo no meu. Quero me sentir inteira e não metade. Quero que ele me queira como eu o quero.

Não tenho a ilusão de um amor eterno, o que não posso mais aceitar é sofrer por amor. Aliás, nem é preciso amor. Sei que vai parecer estranho, vou tentar explicar. A justificativa mais comum para um relacionamento afetuoso estável é o amor. Diz a sabedoria popular que se houver amor e for correspondido, nada pode dar errado. Acho isto muito superficial. Colocamos responsabilidade demasiada no amor, sentimento com milhares de definições, nenhuma completa e todas perfeitas para quem as estabelece.

Considero o amor como um sentimento e como tal, oscilará entre altos e baixos, tapas e beijos, bem querer e ódio. Existem amores incompetentes para a convivência, amores que se prometem eternos e não perduram, amores que aparentam fraqueza e com o passar do tempo se agigantam, amores frouxos, amores que cobram, amores doentios. Só sentir amor não basta para que a relação seja bem sucedida.

Relacionamento significa conexão, ligação, parceria, sintonia, confiança, dedicação, tempo, atenção, afeto. No meu caso, química também é determinante. Consegui alcançar tudo isto com ele. A convivência mostrou que somos tão inseguros e imperfeitos quanto qualquer ser humano.

Assim como já tive várias vidas nesta vida, ele também esteve com dezenas de mulheres, mas é comigo que agora quer ficar. Se preocupa quando chego tarde, quando estou triste, quando as coisas não estão dando certo. Nem sempre concorda, mas sempre escuta. Nem sempre estamos bem, mas não desistimos. Ele brinca dizendo que nunca pensou em divórcio, mas de vez em quando cogita um possível homicídio. Eu me divirto dizendo que ainda assim o amo, mas só por hoje. Por tudo isso, mesmo que ninguém entenda, que muitos não concordem, com ou sem amor, estamos juntos. 

Nosso relacionamento funciona como um pacto, não de sangue nem de nada que se possa ver, ouvir ou tocar. Um comprometimento invisível, mas com força suficiente para sustentar aquilo que calorosamente chamamos de amor. As emoções podem ir e vir, a aliança da cumplicidade permanece. Um pacto de eternidade por aquele supostamente frágil, momentâneo e incerto “te amo hoje”. Nem todos sentimentos são permanentes. Nem todas relações são duradouras. Não sei como será a nossa. Talvez um dia nossos caminhos se separem, mas a relação será, para sempre, eterna. Aliás, já é.

*Ildo Meyer
Médico. Filósofo Clínico. Escritor. Palestrante.
Porto Alegre/RS

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