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Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*


"A leitura funciona como um modelo geral de construção do sentido. A indecisão do intelectual é sempre a incerteza quanto à interpretação, quanto às múltiplas possibilidades da leitura"

"A relação de Guevara com o dinheiro está na mesma linha. Por isso não surpreende que tenha chegado a diretor do Banco Nacional em Cuba. Sempre vive de uma economia pessoal precária, fora do social, nunca tem nada, nunca acumula nada, só livros"

"(...) outra maneira como Guevara se definia na época. O vagabundo, o nômade, aquele que não aceita as normas de integração. Mas também o que divaga, aquele cuja única propriedade é o uso livre da linguagem, a capacidade de conversar e contar histórias, as histórias intrigantes de sua exclusão e de sua experiência na estrada"

"(...) em tudo o mais Guevara funciona como uma identidade neo nacional, é o estrangeiro perpétuo, sempre fora do lugar" 

"Kafka inverte as relações, altera os nexos. Não há mediações. Uma condenação assim radical leva a leitura a seu limite. Ler desvenda novas conexões"

"(...) lembrar sua maneira de ler uma das cenas básicas da Odisséia. As sereias dispõem de uma arma mais terrível que seu canto: seu silêncio, diz Kafka" 

"(...) forma como Kafka lê sua própria narrativa, as coisas que lê no que escreveu. Porque Kafka descobre uma nova maneira de ler: a literatura dá forma à experiência vivida, constrói-a como tal e a antecipa"

"Podemos ler filosofia como literatura fantástica, diz Borges, ou seja, podemos transformar a filosofia em ficção mediante um deslocamento e um erro deliberado, um efeito produzido no ato mesmo de ler"

"Em Borges o ato de ler articula o imaginário e o real (...) a leitura constrói um espaço entre o imaginário e o real, desmonta a clássica oposição binária entre ilusão e realidade. Não existe nada simultaneamente mais real e mais ilusório do que o ato de ler"

"Sempre existe algo de inquietante, ao mesmo tempo estranho e familiar, na imagem concentrada de alguém que lê, uma misteriosa intensidade que a literatura fixou inúmeras vezes. O sujeito se isolou, parece separado do real"

"(...) o romance - com Joyce e Cervantes em primeiro lugar - procura seus temas na realidade, mas encontra nos sonhos um modo de ler. Essa leitura noturna define um tipo particular de leitor, o visionário, o que lê para saber como viver"

"O Aleph, objeto mágico do míope, o ponto de luz em que todo o universo se desorganiza e se organiza conforme a posição do corpo, é um exemplo dessa dinâmica do ver e do decifrar. Os signos na página, quase invisíveis, se abrem para universos múltiplos. Em Borges, a leitura é uma arte da distância e da escala" 

"(...) Joyce (...) utiliza palavras com forte significado subjetivo, como se ninguém mais fosse capaz de compreendê-lo (...) Joyce vai mais longe que todos os outros na ilusão de escrever com uma língua própria (...) não pode estabelecer a conexão, que só é possível na releitura: para entender, é preciso ler o livro inteiro"

*Ricardo Piglia in "O Último Leitor". Ed. Cia das Letras. SP. 2017. 

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