Se você pretende
compreender o que Heidegger pensou sobre Heráclito, leia Heidegger. Mas, se
quiser saber o que os estudiosos de Heráclito dizem sobre o pensamento dele,
leia os estudiosos. Por fim, se quiser saber o que Heráclito disse, leia o
próprio Heráclito.
Como saberemos quem foi
mais fiel ao filósofo estudado? Aquele que encontrou o dito no não dito, isto
é, nas entrelinhas, nos subentendidos ou na condição de possibilidade do que
pode ser dito? Ou aquele que disse algo sobre o texto que podemos comparar no
próprio texto?
O comentador mais fiel
será sempre o comentador. Alguém que busca a fidelidade a partir de
interpretações mais compatíveis e comprováveis pelo texto investigado. O passo
de um pesquisador que comenta uma obra é tornar claro o que o texto aparenta
manter obscuro. Isso é deixar claro o obscuro ou acréscimo de conteúdo?
No caso de filósofos que,
em última análise, tornam-se menos fieis aos textos que comentam, interpretam e
criticam, buscar a compreensão fidedigna pode ser uma tarefa fadada ao
fracasso. Os filósofos têm suas próprias questões e os autores que leem são
instrumentos para clarear suas próprias reflexões.
Mas, como vemos, o
comentador também não é tão fiel. Pois, a maior fidelidade ao conteúdo de um
texto é o próprio texto. Tudo o que se constrói a partir do texto é um
acréscimo que pode ou não clareá-lo. Talvez, o comentário mais fiel ao original
se constitua apenas de floreios que nada acrescentam porque nada deturpam do
original.
O que fazer diante disso?
Leia o original, os comentadores, os filósofos. Enfim, leia o que quiser. Mas,
tenha em mente que sua interpretação do texto virá repleta de pressupostos que
constituem você. É o que a hermenêutica filosófica nos ensina.
Além do mais, a filosofia
tem mais sentido no filosofar do que na busca de fidelidade interpretativa. O
que um texto diz a você, talvez não diga a mais ninguém. E quando você divulga
o que percebeu, pode iluminar várias pessoas com novas reflexões.
Se sua interpretação diz
apenas o que o texto original tem a dizer, você provavelmente gastou sua caneta
à toa. Mas, se você conseguiu extrair sentidos por meio do diálogo entre o que
você trouxe de suas experiências e o conteúdo investigado, você tem algo a
dizer.
*Prof. Dr. Miguel Angelo
Caruzo
Filósofo. Escritor.
Filósofo Clínico.
Teresópolis/RJ
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