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Reflexões de Um Filósofo Clínico*



Pode parecer pouca coisa diante da enormidade do que estamos vivendo. E é mesmo.

Mas fui verificar, por curiosidade, como o meu livro sobre a pandemia ficava no Kindle.E descobri que os "revisores" da Amazon mudaram o meu texto sem a minha autorização.

Para contextualizar: quando enviamos um livro para publicação na plataforma da Amazon, o livro passa por uma "revisão" (olham se o ISBN informado no original bate com que informamos no cadastro da obra, se há páginas em branco, se há imagens truncadas et cetera).

Ocorre que logo nas primeiras páginas eu informo o seguinte:

"O texto deste livro NÃO SEGUE o novo acordo ortográfico."Assim mesmo, com o "NÃO SEGUE" em letras maiúsculas.

Não é que os revisores do texto decidiram simplesmente apagar esse "NÃO SEGUE"? Eles estabeleceram, sem qualquer pergunta ou aviso ao autor, que o certo é:

"O texto deste livro segue o novo acordo ortográfico".

Assim ficou o meu livro: os leitores são informados de que eu o redigi seguindo o AO90. Naturalmente, alguns devem ficar confusos ao ver que o texto é integralmente escrito com a norma anterior.

* * *

Por isso, deixo claro aos meus leitores:

EU NÃO RESPEITO O "NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO". Não reconheço a legitimidade nem do Congresso Nacional, nem a da Academia Brasileira de Letras - e muito menos a do revisor anônimo da Amazon - para determinar como devo copiar os versos de Pessoa, redigir uma carta à Bruna ou escrever um livro.

A ortografia de uma língua varia naturalmente de acordo com a história cultural. É absurdo e ridículo que alguém conceba a mera possibilidade de mudar POR MEIO DE LEI o modo como as palavras são escritas.

* * *

"Reformas ortográficas" são maluquices da língua portuguesa. Nenhuma outra língua precisa disso; contudo, somente no século XX mudamos - por força de lei - quatro vezes a ortografia, sob o pretexto de "simplificá-la" ou de "uniformizá-la" entre os países lusófonos.

A cada vez que isso ocorre, os nossos jovens ficam mais distantes dos livros impressos no passado - cuja leitura se torna cada vez mais difícil. Isso está fazendo com que os falantes do português pouco a pouco esqueçam a riqueza histórica da língua: os jovens conseguem ler somente o que foi editado nas últimas décadas - e perdem o universo de livros antigos que jamais serão reimpressos.

O problema não é a transformação da linguagem: todas as línguas mudam com o tempo. O problema é forçar, artificialmente, essa mudança, a partir da cabeça de pavões acadêmicos, e - veja o ridículo - determiná-la por força de lei.

Por isso, muitos profissionais das letras, entre editores, jornalistas, músicos e escritores, no Brasil e em Portugal, simplesmente não reconhecemos o AO90.

* * *

Alguém me pergunta: "Então o que você defende? Que voltemos à reforma ortográfica de 71? Mas por que ela, e não alguma anterior?"

Amigos, eu não defendo reforma ortográfica nenhuma.

O que eu defendo é a total desnormatização do idioma português. O que eu defendo é que a norma seja simplesmente a norma corrente na literatura da língua, assim como é em qualquer outro idioma.
Afinal, a língua não pertence à ABL, não pertence ao Congresso Nacional, não pertence à Academia de Ciências de Lisboa: a língua pertence aos falantes da língua.

* * *

O episódio da "correção" do meu texto pela Amazon é pequeno e desimportante. Mas uma mosca que atrapalha o nosso sono também o é, e ainda assim nos deixa profundamente irritados.

Ah: o link para o livro, agora corrigido (ou pelo menos espero que assim esteja), está aqui:

Compre o eBook Pandemia: crise e aporia, de Bertoche, Gustavo, na loja eBooks Kindle.

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AMAZON.COM.BR
Obra: Pandemia: crise e aporia. Prof. Dr. Gustavo Bertoche.

*Prof. Dr. Gustavo Bertoche
Filósofo. Escritor. Musicista. Filósofo Clínico.
Teresópolis/RJ

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