A filosofia clínica é
uma abordagem terapêutica criada ou sistematizada em diálogo com vinte e cinco
séculos de tradição filosófica. A filosofia que sempre tocou no tema da verdade
e da Verdade, no sentido absoluto, inspirou a filosofia clínica que fala de uma
verdade subjetiva – o que não é inédito na filosofia. Diante disso,
perguntamos: a filosofia clínica é relativista?
A filosofia clínica não
nega uma verdade objetiva. Porém, na vida prática, percebemos que vivemos a
partir de percepções subjetivas dessas mesmas verdades. Em outras palavras,
nossas vivências, histórias, relações, interpretações e sentimentos moldam
nossa percepção e, por conseguinte, nossa vivência no mundo; e estes fatores
determinam nossos alcances e limites existenciais.
Mesmo tendo uma noção
teórica da vastidão do universo, olhamos imediatamente para o céu e vemos
estrelas brilhando; não necessariamente pensamos ver o brilho de estrelas que
deixaram de existir e chegou até nós percorrendo anos luz de distância. Ao
olharmos o sol e a lua no céu, não parecem ter tamanhos muito diferentes,
embora os instrumentos e os cálculos científicos nos comprovem o contrário.
Imagine, então, o que ocorre em relação às percepções das coisas em nossas
ocupações cotidianas!
Quando um partilhante
procura o filósofo clínico, até traz dados objetivos quando se refere, por
exemplo, aos resultados de exames laboratoriais. Porém, a verdade mais objetiva
surge mesclada com uma série de elementos que nos constituem intelectiva,
emocional e epistemologicamente e que determinam nossos conflitos, angústias,
dores, inquietações etc.
Tomemos, por exemplo, a
religião. No caso do catolicismo, sabemos que a Escritura, a Tradição e o
Magistério pautam as bases da fé. Mas, na prática, os fieis vivem essa mesma fé
de modo diverso. As causas do que leva alguém a aderir à fé são variadas. Se
perguntarmos aos católicos o significado de cada tópico do Credo, muitos não
saberão explicar, porque podem nem considerar tão relevante. Objetivamente, o
conhecimento e a adesão do que está sintetizado no Credo é imprescindível para
o batismo, no caso dos adultos, e para receber a Eucaristia, já na infância.
Porém, isso não significa que ocorra assim na prática.
Nos casos da ciência e
da religião, aqui exemplificados, a existência da objetividade dos postulados é
inquestionável. O que varia é a recepção ou percepção de tais dados.
A filosofia continuará
a tratar das verdades universais e objetivas, também da falsidade e da
relatividade. Mas, no consultório de um filósofo clínico, aparece uma pessoa,
singular, com uma complexidade existencial única, uma história irrepetível e
com problemas para os quais a objetividade tem pouca ou nenhuma importância.
No consultório, importa
compreender o partilhante a partir dele mesmo, sem interferências, sem juízo de
valor e sem fórmulas prontas para resolvê-las. Um dos postulados da clínica
filosófica é que diante de questões singulares, deve ser percebida a história
pessoal, pois é nela que compreendemos como a pessoa vive, pensa, reage e
sente. É aí que, em geral, estão as respostas.
*Prof. Dr. Miguel
Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor.
Filósofo Clínico. Livre Pensador.
Teresópolis/RJ
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