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Apontamentos e notas de consultório*



“Como alguém pode viver sem a preocupação com as contas nesse mundo movido pelo dinheiro, perguntou o partilhante com tom de revolta. É por isso que eu trabalho muito depois do horário, e completou, porque quanto mais horas extras, mais dinheiro no fim do mês. Eu penso no futuro dos meus filhos, disse abatido. Hoje eles são pequenos, explicou apaziguando a voz, mas preciso garantir a faculdade deles. Mas, minha mulher não entende isso e me cobra presença em casa, contou com palavras engasgadas. Por isso estou aqui, e completou, porque preciso de ajuda. O terapeuta ouvia atentamente cada palavra”

“Fechou a porta despedindo-se do último partilhante daquele dia e sentou-se. Com olhar vago, relembrou da triste notícia. Um conhecido de longa data cometera suicídio na véspera daquele dia. O filósofo clínico pegou sua água e bebeu na tentativa simbólica de desfazer o nó na garganta. Um jovem de sorriso fácil, cativante, cheio de vida e saúde não está mais aqui, pensou melancólico. Sua família, seus filhos, seus amigos e eu, um amigo distante, sentiremos sua falta – refletiu. Gostaria de ter podido ajudá-lo, disse com voz embargada olhando a estante de livros. Enquanto deixava sua sala disse: Descanse em paz”

“Acabou. Aquela era a última sessão. Após semanas de terapia, filósofo clínico e partilhante decidem: é hora da alta. A situação que nas primeiras sessões parecia impossível de resolver sequer era o principal problema. Com o clarear da raiz do conflito, o trabalho foi feito. Procedimentos tão simples para quem olhasse de fora provocaram revoluções no interior do partilhante. As modificações aconteciam e iam se solidificando. Nem acredito que o psiquiatra até me liberou dos medicamentos, disse o partilhante eufórico. Nem pense que se livrou de mim, ainda venho para tomar um café e contar novidades, falou abraçando o terapeuta”

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor. Filósofo Clínico.
Teresópolis/RJ

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