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Existe um fenômeno curioso na cultura brasileira: a falsificação de credenciais acadêmicas*

A mentira do novo ministro da Educação, Carlos Decotelli, que afirma ter concluído um doutorado que não concluiu, ostentando há anos um título que não possui, não é a primeira e - tenho certeza - não será a última que veremos. 

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A atual ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, mentiu: não é mestre em Educação, em Direito Constitucional nem em Direito da Família. 

O atual ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, mentiu: não é mestre em Direito Público pela Yale.

O Witzel, ainda governador do Rio, mentiu: jamais fez um doutorado-sanduíche em Harvard. 

A Dilma mentiu: não concluiu o mestrado em Economia. 

O mais impressionante é que, até que essas mentiras fossem reveladas, todos alardeavam publicamente, inclusive em seus currículos Lattes, os títulos inexistentes. 

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Esse fenômeno não se limita ao mundo da política. 

Em 2017, a jovem Bel Pesce, a "Menina do Vale", não somente ostentava em palestras títulos acadêmicos que não possuía, como também mentia ter exercido cargos executivos em empresas de tecnologia. 

Em 2019, descobriu-se que a professora Joana D'Arc Felix mentia ter realizado um pós-doutorado em Harvard - de fato, ela inseriu esse pós-doc imaginário no Lattes e chegou a divulgar para a imprensa um certificado de Harvard tão verdadeiro como uma nota de 3 reais.

 Ainda em 2019, descobriu-se a falsificação dos diplomas acadêmicos de Wemerson da Silva Nogueira - que se apresentava como professor. Wemerson foi vencedor do prêmio "Educador nota 10" de 2016 e finalista, em 2017, do "Teacher Global Prize". Ele falsificou os diplomas que possuía - licenciatura em Química e em Ciências Biológicas, além de uma pós-graduação - e, por não ser licenciado, lecionava ilegalmente. 

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Todas essas fraudes somente foram descobertas graças à repentina fama. Antes dos holofotes, todos sustentavam a mentira e jamais eram questionados. Certamente há outros milhares entre nós que, protegidos pelo relativo anonimato, exibem títulos acadêmicos que não possuem. 

Qual será a raiz desse fenômeno? 

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Nós somos o povo da pose inculta. Assistimos à profusão das academias de ginástica; somos os campeões mundiais em cirurgias plásticas per capita (à frente dos EUA!); observamos o imenso sucesso de musas e musos fitness na internet. Ao mesmo tempo, verificamos a tenebrosa qualidade das nossas escolas; temos pouquíssimas bibliotecas públicas; e estamos entre os últimos colocados entre os leitores de livros per capita no mundo. Tudo isso nos mostra o valor extraordinário que damos à aparência e o desprezo que reservamos ao intelecto. 

Como já mostrava Lima Barreto em "O triste fim de Policarpo Quaresma", publicado em 1915, não nos interessa o conhecimento: contentamo-nos com a sua simulação, ficamos satisfeitos com os meros sinais exteriores da inteligência. 

Por isso tantos mentem nos seus currículos. Uma civilização que valorizasse a cultura constituiria um povo mais preocupado em conhecer as coisas do que em receber diplomas; aqui, invertemos essa ordem, e queremos exibir títulos sem passar pelo longo e desgastante processo de obtê-los. Não nos importa realmente saber; o fingimento nos basta. 

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Amigos, o problema mais grave da civilização brasileira não é a corrupção, não é o desperdício, não é a política. O problema fundamental da nossa civilização é a educação e a cultura. Esse problema também é o de resolução mais difícil. Afinal, como podemos realmente educar as crianças, se os adultos - os políticos, os influenciadores, os professores! - contentam-se em fingir para todos, inclusive para si mesmos, a posse de um capital cultural que não têm? 

*Prof. Dr. Gustavo Bertoche

Filósofo. Escritor. Gestor. Filósofo Clínico. Livre Pensador.

Teresópolis/RJ

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