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Fragmentos Filosóficos, Delirantes, e algo mais*


"Descrevendo o lógos como um zôon, Platão segue alguns retóricos e sofistas que, antes dele, opuseram à rigidez cadavérica da escritura a fala viva, regulando-se infalivelmente sobre as necessidades da situação atual, as expectativas e a demanda dos interlocutores presentes, farejando os lugares onde ela deve se produzir, fingindo curvar-se no momento em que ela se apresenta ao mesmo tempo persuasiva e constrangedora. O lógos, ser vivo e animado, é também um organismo engendrado (...)"

"(...) Todas as traduções nas línguas herdeiras guardiãs da metafísica ocidental têm, pois, sobre o phármakon um efeito de análise que o destrói violentamente, o reduz a um dos seus elementos simples ao interpretá-lo, paradoxalmente, a partir do posterior que ele tornou possível. Uma tal tradução interpretativa é, pois, tão violenta quanto importante: ela destrói o phármakon, mas ao mesmo tempo se proíbe atingi-lo e o deixa impenetrado em sua reserva (...)"

"(...) Não muito mais adiante, Sócrates compara a uma droga (phármakon) os textos escritos que Fedro trouxe consigo. Esse phármakon, essa 'medicina', esse filtro, ao mesmo tempo remédio e veneno, já se introduz n corpo do discurso com toda sua ambivalência. Esse encanto, essa virtude de fascinação, essa potência de feitiço podem ser - alternada ou simultaneamente - benéficas e maléficas (...)"

"(...) uma espécie de raciocínio híbrido (...)"

"(...) trata-se da palavra "pharmakós" (feiticeiro, mágico, envenenador) (...) A cura pelo lógos, o exorcismo, a catarse anularão pois o excedente (...)"

"(...) Desse fundo a dialética extrai seus filosofemas. O "phármakon", sem nada ser por si mesmo, os excede sempre como seu fundo sem fundo. Ele se mantém sempre em reserva, ainda que não tenha profundidade fundamental nem última localidade. Nós o veremos prometer-se ao infinito e se escapar sempre por portas secretas, brilhantes como espelho e abertas sobre um labirinto. É também essa reserva de fundo que chamamos a farmácia (...)" 

"Sócrates mostra que o todo do corpo só pode ser curado na fonte - a alma - de todos os seus bens e males. 'Ora, o remédio da alma são certos encantamentos. Estes consistem nos belos discursos que fazem nascer na alma a sabedoria. Quando a alma possui por uma vez a sabedoria e a conserva, é fácil então dar saúde à cabeça e ao corpo inteiro' (...)"

"(...) imaginação transcendental, esta 'arte oculta nas profundezas da alma' (...)"

"A filosofia opõe, pois, ao seu outro, essa transmutação da droga em remédio, do veneno em contraveneno. Uma tal operação não seria possível se o phármakon-lógos não abrigasse nele mesmo essa cumplicidade dos valores contrários, e se o phármakon em geral não fosse, antes de toda discriminação, o que, dando-se como remédio, pode(se) corromper em veneno ou o que se dando como veneno pode se verificar remédio. A essência do phármakon é que, não tendo essência estável, nem caráter 'próprio', não é, em nenhum sentido dessa palavra (metafísico, físico, químico, alquímico), uma substância. (...)"

"Eros, que não é nem rico, nem belo, nem delicado, passa sua vida filosofando (...) é um temível feiticeiro (...) sofista (...) Indivíduo que nenhuma 'lógica' pode reter numa definição não-contraditória, indivíduo da espécie demoníaca, nem deus nem homem, nem imortal nem mortal, nem vivo nem morto, ele tem por virtude 'dar livre curso, tanto à adivinhação completa quanto à arte dos sacerdotes, no que concerne aos sacrifícios e iniciações, assim como às encantações, vaticinação em geral e magia (...)"

"O phármakon está compreendido na estrutura do lógos (...)"

*Jacques Derrida in "A Farmácia de Platão". Ed. Iluminuras. SP. 2005. 

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