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Fragmentos Fiosóficos, Devaneios, e algo mais*


"Os escritores ampliam as possibilidades do idioma, levam-no ao limite, buscando sempre uma expressão mais imediata, mais próxima do fato em si que sentem e querem manifestar, quer dizer, uma expressão não-estética, não-literária, não-idiomática. O escritor é o inimigo potencial - e hoje já atual - do idioma. O gramático sabe disso e portanto está sempre vigilante, denunciando tropelias e transgressões, aterrado diante desse deslocamento paulatino de um mecanismo que ele concebe, ordena e fixa como uma perfeita, infalível máquina de enunciação"

"Há um estado de intuição para o qual a realidade, seja ela qual for, só pode ser formulada poeticamente, dentro de modos poemáticos, narrativos, dramáticos: e isso porque a realidade, seja ela qual for, só se revela poeticamente (...)" 

"(...) há uma realidade apreensível exclusivamente por vias poéticas; compartilha no século uma angústia coletiva do homem diante do problema do seu lugar no cosmos; angústia existencial, com raízes simultâneas e igualmente válidas na 'alma' e no 'plexo'; angústia cujos porta-vozes absolutos ele conhece muito bem, pois que os chama  de Kierkegaard, Rilke, Joyce, Neruda, Sartre, Kafka, Epstein, Alban Berg, Lubicz-Milosz (...)

"(...) uma referência extradiscursiva (...)" Mas a magia é incomunicável, engendra isolamento e solidão (...)"

"(...) Surrealismo é antes de mais nada concepção do universo, e não sistema verbal (...) Surrealista é o homem para quem certa realidade existe, e sua missão consiste em encontrá-la; nas pegadas de Rimbaud, não vê outro meio de atingir a supra-realidade senão a restituição, o reencontro com a inocência. Palavra terrível em seus lábios (penso em Dalí, em sua astuta, atroz inocência abrumada de sabedoria) porque não supõe primitivismo algum, e sim reencontro com a dimensão humana sem as hierarquizações cristãs ou helênicas, sem 'partes nobres', 'alma', 'regiões vegetativas'. Inocência porquanto tudo é e deve ser aceito, tudo é e pode ser chave de acesso à realidade (...)"    

"(...) uma poderosa investida de dentro para fora, a intenção primordialmente estética do literário, certa construção verbal se dá hoje como atividade coexistente com a atividade total de seu autor, e faz parte de sua integral expressão humana. Posto no nível das diferentes formas de auto-realização do homem, definido como instância e ato verbal de realidade, o 'literário' se propõe tal como foi entendido pelos surrealistas da primeira época: fenômeno expressivo não superior a outras formas de realização, embora instrumentalmente apto para permitir o acesso e a exercitação das mais fundas (no sentido de 'para baixo e para dentro') possibilidades humanas (...)"

*Julio Cortázar in "Obra Crítica". Ed. Civilização Brasileira. RJ. 1998. 

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