“A vida não é senão uma
procissão de sombras, e sabe Deus por que as abraçamos tão avidamente e as
vemos partir com tal angústia, já que não passam de sombras”
Virgínia Woolf
A natureza também
insinua seus originais na impermanência de um talvez. Instantes em que a
conexão propõe a novidade discursiva ao sem rosto das aparências. Assim, para
além da mentira civilizada, outras verdades ensaiam inéditas versões.
Nem sempre em busca de
tradução, essa característica existencial realça pontos de interseção com
universos absurdos. Seu sentido inédito, antes de ser provável, descreve-se na
escassez poderosa de um quase. Seu dizer marginal aparece como vontade de
transgressão.
Com sua pronúncia
irreconhecível a escuta muda, e o momento fugaz dos achados carece a surgir
distorcido. Ao ter o anonimato preservado, se distancia das ingerências de ser
igual. Sua indeterminação sugere um vocabulário por chegar.
Na crítica de Harold Bloom:
“Para que uma leitura (desleitura) seja ela mesma produtora de outros textos, é
obrigatório que afirme sua singularidade, sua totalidade, sua verdade” (Bloom,
2003, p. 85).
Para decifrar os
indicativos dessa fonte de desassossego, a reciprocidade é fundamento. O
desafogo do discurso incompleto ou a desestruturação de raciocínio, tão íntimos
da verdade desamparada, pode transbordar noutros dialetos em direção à vida.
Novos idiomas se
multiplicam nos subúrbios da linguagem conhecida. Sua via fronteiriça aparece
sem sentido à ótica precursora. O espírito iconoclasta reinventa o mundo a
partir de seus excessos.
Texturas de não ser
herói ou vilão fazem referência ao hóspede recém-chegado. Na pluralidade das
maquiagens é possível entrever a errância descobridora a se indeterminar nos
rascunhos.
Albert Camus, para além
dos muros absurdos: “Como as grandes obras, os sentimentos profundos significam
sempre mais do que têm consciência de dizer” (Camus, 2005, p. 25).
A existência da margem
aprecia se mostrar na mendicância das estéticas da desilusão. Num mundo onde o
aniquilamento e a injustiça se fundamentam na razão, estar-junto e compartilhar
se torna impensável. No entanto, as inesperadas confidências atribuem outras
possibilidades ao que se declarava satisfeito.
Quando as máscaras
rivalizam na pessoa, é comum, durante algum tempo, um embate entre a
expressividade e suas vontades. Interseção por onde o contraste animador ressignifica
as desavenças. Sem ter isso muito claro, a pessoa se objetiva em um ou outro
jeito de ser. Nesses casos, a mentira, o logro ou a ambiguidade assumem o papel
principal, deixando rastros de adesão ao disfarce atual.
É comum a escolha
recair nalgum papel existencial já determinante, embora invisível ao próprio
olhar. Momento em que os opostos apreciam se integrar numa só feição. O drama
se reapresenta pela carência de um ponto de equilíbrio, onde o agora consiga se
legitimar na sequência provisória dos eventos.
Bronislaw Malinowski
ensina: “Se um homem parte numa expedição decidido a provar certas hipóteses e
é incapaz de mudar seus pontos de vista constantemente, abandonando-os sem
hesitar ante a pressão da evidência, sem dúvida seu trabalho será inútil”
(Malinowski, 1976, p. 26).
A ficção engendra o
escândalo de um ser híbrido, quase sempre contido pela mordaça da norma. No
entanto, mesmo quando restam miragens, surge uma sensação de violação, por
essas afinidades insuspeitas.
Nesses ímpetos sem
tradução os fragmentos possuem vida própria, um lugar onde as ruínas de si mesmo
se transformam em alicerce. A versão clandestina se desdobra e ressurge na
maquiagem ideologizada pelos convívios. Ainda assim, a pluralidade dos pontos
de fuga acena novos existires.
Com a rasura das
certezas aparece um lugar profano, onde o sujeito alienado transforma sua noção
perdida em poesia. Recém-chegado de uma terra estranha, possui a estrutura dos
milagres. Saber itinerante a multiplicar pressentimentos de amor e liberdade.
Ao cogitar sobre a intencionalidade das ventanias, o caráter nômade se vê face
a face com o sem rosto das multidões.
Ao irreconhecível da
língua, as reticências espalham outras suspeitas. Uma instável travessia pelo
absurdo cotidiano, revela um espetáculo a se desdobrar na epistemologia dos
subúrbios.
*Hélio Strassburger in “Pérolas
Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável”. Ed. Sulina. Porto
Alegre/RS. 2012.
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