Recentemente participei
de um Congresso Mágico, onde além de aprender novos truques e ilusões,
discutia-se também o mercado de trabalho. Estava particularmente interessado
numa palestra sobre magia na TV e em navios de cruzeiro. Não tinha a menor
ideia de como as coisas funcionavam. É mais ou menos assim: se você quer
trabalhar num navio, envia currículo com locais onde já se apresentou, vídeos
com shows, carta de apresentação e fica aguardando e rezando para que um dia
seja chamado para entrevista.
Na televisão já é um
pouco diferente. Um dia lhe telefonam dizendo que estão precisando de um mágico
em determinado programa e lhe convidam para participar. Às vezes o convite é
feito de última hora. Sabendo da divulgação que a mídia televisiva oferece, o
mágico desmarca todos seus compromissos e comparece feliz da vida ao programa.
Não raro, surge um imprevisto, a entrevista anterior se prolonga, uma
catástrofe precisa ser noticiada, um artista famoso precisa divulgar seu novo
disco e a apresentação do mágico é cancelada. Ficou o dia inteiro à disposição,
deixou de trabalhar e vai para casa com um pedido de desculpas. Ocasionalmente
recebe uma ajuda de custo pelo incômodo.
Tudo muda se o mágico
tiver uma performance que encante a plateia,
desafie as leis da lógica, provoque a incredulidade, tenha a beleza do
impossível, e seja o único profissional a realizar esta façanha. Nesta
situação, ele se transforma de mágico genérico, tapa buraco ou commodity em
protagonista. A TV e o navio deixam de querer um mágico qualquer. Agora desejam
aquele mágico especial que enfia uma baleia dentro de uma agulha e não o trocam
por nada, nem por um artista famoso. Vão buscá-lo em casa, acertam o cachê,
colocam um funcionário a sua disposição e o show não atrasa um minuto.
Na língua portuguesa,
trocar e substituir tem o mesmo significado, ou seja, colocar uma coisa ou pessoa em lugar de
outra. Se a TV ou o navio estiverem precisando de um mágico que tire coelhos da
cartola ou serre uma mulher ao meio, consultam sua lista de profissionais
cadastrados e fazem contato. Se por qualquer motivo não houver acerto,
imediatamente fazem a troca e o substituem, chamando outro em seu lugar. Querem
o serviço e tanto faz quem vai executá-lo.
Se o mágico ao invés de
apenas realizar o truque, se conectar, construir uma ilusão, entregar emoção,
tocar a alma da plateia, será único, insubstituível. Pode-se até colocar outro em seu lugar, mas
não conseguirá substituí-lo. Saint-Exupéry, em sua obra clássica - O Pequeno
Príncipe, dizia assim “Era uma pessoa igual a cem mil outras pessoas. Mas, eu
fiz dela um amigo, agora ela é única no mundo”.
Se você precisa de uma
faxina em casa, liga para uma agência e solicita o serviço. Alguém virá
executá-lo. Pode até ser um robô. Talvez você nem saiba quem fez, pois esteve
fora de casa o dia inteiro. Na prática, tanto faz quem limpou; se o serviço foi
bem feito, ótimo. Se não foi, você liga para a agência e pede para substituir o
funcionário ou, se estiver muito indignado (a), troca de agência.
Quando o assunto é
realizar uma tarefa simples, a substituição também é simples. Se estivermos
falando em talento, o contexto já é outro e não podemos mais falar em
substituição. Se o centro avante, craque do time se machucar e não puder jogar,
o técnico vai colocar outro jogador em
seu lugar, e por mais que este se esforce, falta-lhe talento para se igualar ao
craque. O reserva vai entrar no lugar do titular, mas não substituí-lo. A
primeira vista pode até parecer um simples detalhe de preciosismo a troca entre
as expressões “entrar no lugar” e “substituir”, mas não é. Se o cantor Roberto
Carlos não puder fazer um show, não adianta colocar um duble ou outro cantor em
seu lugar para substituí-lo, o espetáculo será cancelado.
E quando se trata de
relacionamento? Seu cachorro amado morreu, você está triste, a casa ficou
vazia, sem graça, então lhe sugeriram comprar um novo cão. Um filhote da mesma
raça. Pronto, a alegria voltou. Foi uma substituição ou você colocou um no
lugar do outro para preencher uma carência. Será capaz de sentir o mesmo pelo
novo membro da família ou vai criar outro sentimento pelo recém-chegado?
Vou avançar no
raciocínio. João e Maria foram casados por 10 anos. Separaram e agora João está
morando com um novo amor, Rafaela. Sabemos que cada caso é um caso e não
podemos generalizar, mas em tese, Rafaela está ocupando o lugar de Maria ou a
está substituindo?
Talvez você responda
que depende, em algumas coisas pode até substituir, em outras não. Em algumas
situações a nova mulher pode até ser melhor que a antiga, mas lembre-se que
estamos falando em sentimento e não em serviços ou atitudes. Provavelmente
Rafaela está tocando a alma de João de uma maneira diferente de Maria, e,
independente do sentimento gerado, também vai lhe mexer afetivamente. Pode até ser
trocada mais adiante, mas o sentimento que gerou em João jamais será
substituível. Sentimentos não são coisas que podem ser trocadas ou
substituídas.
Rafaela e João estão
juntos e felizes há sete anos. Agora ela foi aprovada num curso de doutorado em
Amsterdam e precisa permanecer por lá durante 18 meses. Apesar do envolvimento
do casal, estão assustados. É possível o relacionamento resistir a uma
separação física de um ano e meio? Existe o risco de uma troca ou substituição?
Será preciso mágica para que permaneçam juntos?
Deixo esta dúvida no
ar, mas antes de finalizar, uma recomendação. Quer se tornar insubstituível?
Então trate de se conectar, coloque-se no lugar do outro, mexa com seus
sentimentos, abrace sua alma, toque o coração, desafie o cérebro, desperte o
amor, torne-se presente mesmo na ausência. Surpreenda, cative, envolva, seja
único, incomparável, imprescindível.
Faça de sua existência uma eternidade, pois para o mágico o impossível
não existe, mas é preciso acreditar piamente nisso.
*Ildo Meyer
Médico. Escritor. Palestrante.
Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS
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