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Fragmentos Filosóficos Delirantes*


"O mar, de ordinário, esconde seus golpes. Permanece de bom grado obscuro. A incomensurável sombra guarda tudo para si mesma. É muito raro que o mistério renuncie ao segredo. Existe, sem dúvida, monstro na catástrofe, mas em quantidade desconhecida. O mar é patente e secreto: esconde-se, não lhe interessa divulgar as suas ações"

"A madrugada tem grandeza misteriosa que se compõe de restos de sonho e começos de pensamento"

"O vento encontra-se repleto de semelhante mistério. Do mesmo modo o mar. Também este é complicado: sob os vagalhões de forças, que se não vêem. Compõe-se de tudo. De todas as misturas, o oceano é a mais indivisível e a mais profunda. Experimente-se conhecer esse caos, tão enorme que termina à superfície. É o recipiente universal, reservatório para as fecundações, cadinho para as transformações"

"(...) A diversidade solúvel funde-se em sua unidade. Possui tantos elementos que se transforma em identidade. Está todo em cada uma de suas gotas. Porque está repleto de tempestades, torna-se equilíbrio"

"(...) o Desconhecido, imenso arquiteto, nada calcula e tudo executa com perfeição (...) nenhuma lógica, vasto equilíbrio. É mais do que solidez, é eternidade"

"Nada enternece mais o espírito que essa arquitetura bárbara, sempre vacilante, sempre de pé. Nela tudo mutuamente se auxilia e combate. Combate de linhas, de que o edifício resulta. Reconhece-se a colaboração destas duas querelas: o oceano e o furacão"

"As obras da natureza, não menos supremas que as obras do gênio, contêm algo do absoluto e impõem-se. O que têm de inesperado faz que o espírito lhes obedeça imperiosamente: sente-se, no caso, premeditação que se encontra fora do homem. Não são nunca mais surpreendentes do que quando fazem, de súbito, o delicado sair do terrível" 

"(...) Quando a ignorância se põe a atrever-se, é porque leva dentro de si verdadeira bússola. Essa bússola é a intuição da verdade, mais clara, algumas vezes, em espírito simples do que em espírito complicado"

"(...) Ignorar convida a tentar. A ignorância é devaneio e o devaneio curioso constitui verdadeira força. Saber às vezes desconcerta e frequentemente desaconselha. Gama, se fosse sábio, teria recuado diante do cabo das Tormentas. Se Cristóvão Colombo tivesse sido bom cosmógrafo, não teria, de jeito nenhum, descoberto a América (...)"

"O ignorante pode descobrir; apenas o sábio inventa"

*Victor Hugo in "Os trabalhadores do mar". Ed. das Américas. SP. 1957. 

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