Tenho pena das pessoas
que estão num relacionamento sério. Não sei se a palavra pena seria a mais
adequada, talvez fosse melhor dizer que lamento saber que entre tantas opções,
escolheram entrar justo numa relação deste tipo. E fica pior ainda, quando
estas mesmas pessoas orgulhosamente compartilham seu status na mídia social -
#em um relacionamento sério#.
Relacionamentos sérios
são cautelosos, vigilantes, sisudos. Envolvem posse, ciúme, cobrança,
julgamento, competição para saber quem é mais inteligente, mais esperto, mais
esclarecido. Uma guerra sem exército, disputada dia a dia para definir quem vai
mandar em quem. Não é permitido falhar, estão sempre em guarda, sempre devendo,
fiscalizando, reclamando. Nunca tiram folga para se querer, desejar, amar. Nem
quando estão juntos, tampouco quando se separam.
Relacionamentos sérios
vão se consumindo dia a dia. São contratos, acordos, fugas, silêncios,
distâncias, dissimulações estrategicamente construídas e egoisticamente
preservadas para manter a aparência de um relacionamento estável e perfeito,
coagindo, conscientemente ou não, o amor
a calar, chorar, desabar, definhar e morrer.
Relacionamentos sérios
se abraçam, mas não por muito tempo. Beijam de olhos abertos, conferindo o ambiente. Deitam juntos, apenas
pra dormir. Conversam sem ter o que dizer e não escutam o que o outro fala.
Admiram-se, mas se incomodam com os pequenos defeitos. Andam de mãos dadas, mas
nunca estão seguros.
Estão juntos por estar,
mas vivem em mundos diferentes. Discutem a relação durante horas, dias ou
meses, até finalmente chegarem num cessar fogo, ambos cedendo um pouco, cada um
matando um pedaço da vida do outro e sem perceber, morrendo também. Depois, celebram
com um beijo, um abraço e um sorriso forçados e postam nas redes sociais a
utópica felicidade conjugal. Sério e falso demais. Fake news. Pena que fotos não registram sentimentos.
Relacionamentos
divertidos são mais sadios. Simplesmente vão acontecendo, e a graça é o
afrodisíaco da relação. Não existe mau tempo, haja o temporal que houver. Se
precisar forçar, cobrar, comparar, é porque não está do tamanho adequado. Isso
serve para anéis, sapatos, profissão e principalmente relacionamentos. Os melhores
momentos de uma relação acontecem quando um está ao lado do outro e não por
cima do outro.
Relacionamentos
divertidos não precisam explicação, não tem hora marcada, nem dia ou local
definido para acontecer. São sentidos sem precisar fazer sentido. Não existem
certezas, tampouco dúvidas. Não há medo do ridículo, não há vergonha em
demonstrar afeto. Os erros tornam-se acertos, o longe se torna perto, o tarde
vira cedo, o frio se converte em calor, o ruim se transforma em bom.
Nada é garantido numa
relação divertida. Acontecem erros que
valem a pena cometer, dores que fazem crescer, suores bem aproveitados e
lágrimas que jamais deveriam correr. As
únicas certezas são muitas gargalhadas e zero cobrança. Os diálogos se fazem
mais com sorrisos do que com a dimensão das palavras. Sentem que estão vivos e
inseparáveis. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Juntos não vão
dar chance nem pra tristeza, nem para a doença.
Posso até estar
enganado, mas relacionamentos sérios me transmitem uma sensação defensiva,
portas trancadas, afetividade lá embaixo. Relacionamentos divertidos são
diferentes, funcionam como um convite, uma porta escancarada para o diálogo,
uma via sem volta para a alegria de viver. Já experimentei os dois tipos de
relação. Hoje brinco de ser sério, mas
não levo a sério a brincadeira.
Meu estado civil? Feliz
*Ildo Meyer
Médico. Escritor.
Palestrante. Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS
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