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Notas sobre a filosofia clínica e a filosofia*



A filosofia clínica é fruto da reflexão de Lúcio Packter iniciada nos anos 80 do século passado. Se fôssemos enquadrar essa área em um “compartimento” dos estudos filosóficos, talvez o espaço que encontraríamos seria o da filosofia prática cultivada desde os tempos de Aristóteles, que pensa sobre o agir humano, na qual se encontra a ética.

Porém, diferente das abordagens filosóficas que visam encontrar elementos universais da natureza humana para orientar nossa busca para o que chamamos de felicidade, a proposta de Packter passa por outro caminho: o da singularidade.

O que há de universal na busca da filosofia clínica são aspectos formais da estrutura humana – omitirei os conceitos específicos da área para não tornar o texto demasiado longo. Esses aspectos são inspirados em diversos filósofos desde os gregos aos contemporâneos.

Porém, precisamos destacar que a filosofia clínica não é uma mera “colcha de retalhos”. Tal como todo bom filósofo faz, Packter dialoga, se inspira, reconstrói, enfim, lida de modo original com as contribuições do pensamento filosófico que o precede a fim de resolver uma questão própria: a dor da alma humana.

Se quando olhamos para o universal tendemos a utilizá-lo para aplicar ao particular como parâmetro de correção ou reorientação, quando focamos no singular, os parâmetros universais, em muitos casos, são infrutíferos. Esse é o resultado ao qual Packter chega em seu trabalho de atendimentos enquanto estrutura a clínica filosófica.

Os elementos universais ensinados pela filosofia clínica servem como balizas formais, ou seja, completamente vazias, que orientam o filósofo clínico na compreensão das particularidades de cada indivíduo que procura a terapia e as preenche. As soluções são completamente únicas, e cada pessoa é um novo livro a ser compreendido por si mesmo a fim de que as respostas às questões também sejam encontradas nela.

Se o parâmetro é a singularidade, julgar a normalidade ou anormalidade não cabe no trabalho do filósofo clínico. Porque não há norma pré-estabelecida para “encaixar” o partilhante (nome dado a quem procura o filósofo clínico). O bom senso do filósofo clínico, cultivado ao longo de sua formação inicial e permanente, abrange e releva mais possibilidades, “esquisitices” e “excentricidades” do que qualquer lista de diagnósticos.

Embora a filosofia clínica tenha nascido em profundo diálogo com pensadores como Protágoras (isto mesmo, um sofista), Platão, Aristóteles, Hume, Kant, Cantor (não se assuste, também um matemático), Husserl, Wittgenstein, Merleau-Ponty e inúmeros outros, ela não se resume a nenhum deles. Tal como todo filósofo que faz jus a este título não pode ser reconhecido como repetidor de seu(s) filósofo(s) inspirador(es) porque sua contribuição é única, assim deve ser com Packter ao criar a filosofia clínica.

Hoje, assim como Husserl não é mais o único a dar nome à fenomenologia, analogamente a filosofia clínica não é somente obra de seu estruturador – como Packter gosta de ser considerado – mas de vários filósofos clínicos espalhados pelo país e pelo mundo que continuam o processo de estudos teóricos e práticos dessa área, a produzir livros, artigos, cursos e a inaugurar áreas de atuação para aplicação da clínica filosófica.

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor. Filósofo Clínico.
Teresópolis/RJ

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